O PRISIONEIRO
O prisioneiro acordou no meio da madrugada em sua cela e pôs-se a pensar na tentativa de lembrar como era o mundo lá fora; como eram as pessoas, as ruas, as casas. Tentou lembrar-se do que fazia antes de ir para a prisão, mas não conseguiu. Era como se durante toda a sua existência tivesse vivido dentro da prisão; como se tivesse nascido e crescido ali. Não se lembrava de sua infância, nem de sua adolescência e muito menos se lembrava porque estava preso. Que crime cometera para ficar preso durante tanto tempo? Perdera a noção do tempo. Seriam 30, 40, 50 anos? Nunca consultara um calendário. Só sabia que muito tempo havia passado porque o corpo já estava alquebrado. Doíam-lhe as costas e as pernas e podia sentir, pelo tato, as rugas já bem pronunciadas em seu rosto. A cabeça começou a doer. Para ele era difícil até mesmo pensar. Desistiu de pensar e virou-se no catre para tentar dormir. Não conseguiu.
Desde que soubera que um grupo de presos da ala oeste começara a organizar a rebelião, ele não teve mais paz. Seu espírito andava constantemente sobressaltado e angustiado. Eles estavam montando um arsenal para se revoltarem e tomarem a prisão e libertarem a todos. Pensar em sair da prisão causava-lhe uma angústia profunda; uma sensação ao mesmo tempo de medo e ansiedade. Se quiserem sair, que saíam e vá com eles quem queira. Por que tinham que incluir a todos na fuga? Para ele, o outro lado dos muros era o desconhecido, o inimaginável.
No dia seguinte o prisioneiro ficou sabendo que a fuga aconteceria em breve. Os prisioneiros da ala oeste ficaram sabendo que havia sido deflagrada uma revolução social e que os revolucionários tinham a intenção de libertar todos os prisioneiros. Este era o momento mais indicado para se sublevarem, porque encontrariam apoio externo. Todos estavam se preparando para a luta. As armas seriam distribuídas em 48 horas. A notícia deixou-o em pânico. Pensara que o tempo demoveria os outros da intenção de se revoltarem. Em sua cela, o prisioneiro vociferava contra as paredes:
- Mundo maldito! Malditos todos! O que vou fazer lá fora?
Durante todo o tempo em que esteve preso, ele não aprendeu nenhum ofício; não leu uma só linha sobre o mundo fora da prisão; não fez nada, exceto comer, dormir, andar de vez em quando no pátio para tomar sol. Sua rotina sempre foi da cela para o pátio, do pátio para a cela, passando pelo refeitório. Depois de algum tempo conseguiu que lhe permitissem comer em sua própria cela. A única coisa que o prisioneiro sabia fazer depois de todos aqueles anos de rotina, era ser prisioneiro. A liberdade para ele seria como arrancá-lo violentamente de seu mundo e enviá-lo para a morte.
Passado mais um dia, o prisioneiro foi procurar os prisioneiros da ala oeste, determinado a fazê-los compreender que não tinha a intenção de acompanhá-los e que não seria justo obrigá-lo a sair. Ao chegar lá se surpreendeu com a euforia geral. Todos davam “vivas”, cantavam e dançavam. Um dos prisioneiros explicou-lhe que a revolução fora vitoriosa antes do prazo previsto e todos os prisioneiros seriam libertados em pouco tempo. Portanto, não havia necessidade de se rebelarem. Todos sairiam sem que fosse necessário derramar uma só gota de sangue. A revolução ocorrera em nível mundial e de acordo com um tratado assinado por todos os países, não haveria mais prisioneiros e presídios. A nova ordem social que estava sendo estabelecida suprimiria esta instituição de uma vez por todas.
O prisioneiro sentiu que sua vida estava sendo ameaçada. Para ele aquilo era motivo de terror, não de alegria. Dominado por um instinto de autodefesa, ele foi apanhando armas e munições de todo tipo que encontrava nas celas vazias e abertas, levando um verdadeiro arsenal para sua cela. Para lá carregou também, mesas, cadeiras e tábuas e fez uma sólida barricada no corredor que dava acesso para sua cela, vedando-o a quem quer que fosse.
Os outros prisioneiros tentaram convencê-lo que resistir à própria libertação era estupidez. Mas, o prisioneiro resistia obstinadamente em abandonar sua cela. Veio o diretor do presídio; vieram autoridades; vieram médicos e psicólogos; tudo em vão. O prisioneiro estava determinado a defender seu espaço no mundo. A princípio foram compreensivos com ele. Falaram-lhe em tom paternal. Forneceram-lhe comida para ganhar sua confiança. Como ele se mostrasse irredutível, vieram autoridades sisudas; vieram chefes militares; vieram ministros e autoridades internacionais. Agora lhe falavam em tom imperioso e severo, lhe ordenando que abandonasse sua obstinação em ficar enclausurado. Pararam de fornece-lhe comida, a fim de minarem sua resistência. Deram-lhe, por fim, um prazo.
Ele era agora o último prisioneiro do mundo. A repercussão internacional era desfavorável ao país devido a este fato. A pressão das outras nações sobre o país tornava-se cada vez maior e as autoridades já perdiam a paciência com o caso do prisioneiro que parecia insolúvel.
Findo o prazo dado ao prisioneiro para abandonar sua cela e como nem mesmo a fome fora capaz de minar sua resistência, um pelotão de choque foi enviado para tomar a cela de assalto e libertá-lo. Tentaram por abaixo a barricada, mas, o prisioneiro estava bem entrincheirado e seu estoque de munição poderia durar muitos dias ainda. Determinadas a libertá-lo a qualquer preço, as autoridades militares ordenaram um ataque em massa, utilizando a infantaria apoiada por tanques e precedida por um bombardeiro aéreo. Dois aviões largaram várias bombas sobre a ala em que ficava a cela do prisioneiro. Após as explosões, tanques avançaram efetuando vários disparos que acabaram de demolir a barricada e também a cela. Em meio à poeira e à fumaça, a infantaria avançou disparando e, finalmente, conseguiram invadir a cela.
Tudo acontecera muito rápido e a ação fora fulminante, para não dizer, massacrante. A cela estava quase completamente destruída e achar o prisioneiro entre os escombros foi um pouco difícil. Um soldado achou-o no fundo da cela, semi-soterrado e coberto de sangue. Com grande alegria e uma expressão no rosto de quem acabou de achar um tesouro, o soldado abraçou-o, dizendo-lhe:
- Você está livre homem! Está livre!
O prisioneiro deu seus últimos suspiros, enquanto o comandante da tropa chegava ao local.
- Nós queríamos evitar isso rapaz. Você compreende, não é?! Era preciso libertá-lo.
O comandante virou-se para os repórteres que chegavam naquele momento e disse com uma expressão de vitória:
- Podem anunciar para o mundo que o último prisioneiro foi libertado.
O prisioneiro acordou no meio da madrugada em sua cela e pôs-se a pensar na tentativa de lembrar como era o mundo lá fora; como eram as pessoas, as ruas, as casas. Tentou lembrar-se do que fazia antes de ir para a prisão, mas não conseguiu. Era como se durante toda a sua existência tivesse vivido dentro da prisão; como se tivesse nascido e crescido ali. Não se lembrava de sua infância, nem de sua adolescência e muito menos se lembrava porque estava preso. Que crime cometera para ficar preso durante tanto tempo? Perdera a noção do tempo. Seriam 30, 40, 50 anos? Nunca consultara um calendário. Só sabia que muito tempo havia passado porque o corpo já estava alquebrado. Doíam-lhe as costas e as pernas e podia sentir, pelo tato, as rugas já bem pronunciadas em seu rosto. A cabeça começou a doer. Para ele era difícil até mesmo pensar. Desistiu de pensar e virou-se no catre para tentar dormir. Não conseguiu.
Desde que soubera que um grupo de presos da ala oeste começara a organizar a rebelião, ele não teve mais paz. Seu espírito andava constantemente sobressaltado e angustiado. Eles estavam montando um arsenal para se revoltarem e tomarem a prisão e libertarem a todos. Pensar em sair da prisão causava-lhe uma angústia profunda; uma sensação ao mesmo tempo de medo e ansiedade. Se quiserem sair, que saíam e vá com eles quem queira. Por que tinham que incluir a todos na fuga? Para ele, o outro lado dos muros era o desconhecido, o inimaginável.
No dia seguinte o prisioneiro ficou sabendo que a fuga aconteceria em breve. Os prisioneiros da ala oeste ficaram sabendo que havia sido deflagrada uma revolução social e que os revolucionários tinham a intenção de libertar todos os prisioneiros. Este era o momento mais indicado para se sublevarem, porque encontrariam apoio externo. Todos estavam se preparando para a luta. As armas seriam distribuídas em 48 horas. A notícia deixou-o em pânico. Pensara que o tempo demoveria os outros da intenção de se revoltarem. Em sua cela, o prisioneiro vociferava contra as paredes:
- Mundo maldito! Malditos todos! O que vou fazer lá fora?
Durante todo o tempo em que esteve preso, ele não aprendeu nenhum ofício; não leu uma só linha sobre o mundo fora da prisão; não fez nada, exceto comer, dormir, andar de vez em quando no pátio para tomar sol. Sua rotina sempre foi da cela para o pátio, do pátio para a cela, passando pelo refeitório. Depois de algum tempo conseguiu que lhe permitissem comer em sua própria cela. A única coisa que o prisioneiro sabia fazer depois de todos aqueles anos de rotina, era ser prisioneiro. A liberdade para ele seria como arrancá-lo violentamente de seu mundo e enviá-lo para a morte.
Passado mais um dia, o prisioneiro foi procurar os prisioneiros da ala oeste, determinado a fazê-los compreender que não tinha a intenção de acompanhá-los e que não seria justo obrigá-lo a sair. Ao chegar lá se surpreendeu com a euforia geral. Todos davam “vivas”, cantavam e dançavam. Um dos prisioneiros explicou-lhe que a revolução fora vitoriosa antes do prazo previsto e todos os prisioneiros seriam libertados em pouco tempo. Portanto, não havia necessidade de se rebelarem. Todos sairiam sem que fosse necessário derramar uma só gota de sangue. A revolução ocorrera em nível mundial e de acordo com um tratado assinado por todos os países, não haveria mais prisioneiros e presídios. A nova ordem social que estava sendo estabelecida suprimiria esta instituição de uma vez por todas.
O prisioneiro sentiu que sua vida estava sendo ameaçada. Para ele aquilo era motivo de terror, não de alegria. Dominado por um instinto de autodefesa, ele foi apanhando armas e munições de todo tipo que encontrava nas celas vazias e abertas, levando um verdadeiro arsenal para sua cela. Para lá carregou também, mesas, cadeiras e tábuas e fez uma sólida barricada no corredor que dava acesso para sua cela, vedando-o a quem quer que fosse.
Os outros prisioneiros tentaram convencê-lo que resistir à própria libertação era estupidez. Mas, o prisioneiro resistia obstinadamente em abandonar sua cela. Veio o diretor do presídio; vieram autoridades; vieram médicos e psicólogos; tudo em vão. O prisioneiro estava determinado a defender seu espaço no mundo. A princípio foram compreensivos com ele. Falaram-lhe em tom paternal. Forneceram-lhe comida para ganhar sua confiança. Como ele se mostrasse irredutível, vieram autoridades sisudas; vieram chefes militares; vieram ministros e autoridades internacionais. Agora lhe falavam em tom imperioso e severo, lhe ordenando que abandonasse sua obstinação em ficar enclausurado. Pararam de fornece-lhe comida, a fim de minarem sua resistência. Deram-lhe, por fim, um prazo.
Ele era agora o último prisioneiro do mundo. A repercussão internacional era desfavorável ao país devido a este fato. A pressão das outras nações sobre o país tornava-se cada vez maior e as autoridades já perdiam a paciência com o caso do prisioneiro que parecia insolúvel.
Findo o prazo dado ao prisioneiro para abandonar sua cela e como nem mesmo a fome fora capaz de minar sua resistência, um pelotão de choque foi enviado para tomar a cela de assalto e libertá-lo. Tentaram por abaixo a barricada, mas, o prisioneiro estava bem entrincheirado e seu estoque de munição poderia durar muitos dias ainda. Determinadas a libertá-lo a qualquer preço, as autoridades militares ordenaram um ataque em massa, utilizando a infantaria apoiada por tanques e precedida por um bombardeiro aéreo. Dois aviões largaram várias bombas sobre a ala em que ficava a cela do prisioneiro. Após as explosões, tanques avançaram efetuando vários disparos que acabaram de demolir a barricada e também a cela. Em meio à poeira e à fumaça, a infantaria avançou disparando e, finalmente, conseguiram invadir a cela.
Tudo acontecera muito rápido e a ação fora fulminante, para não dizer, massacrante. A cela estava quase completamente destruída e achar o prisioneiro entre os escombros foi um pouco difícil. Um soldado achou-o no fundo da cela, semi-soterrado e coberto de sangue. Com grande alegria e uma expressão no rosto de quem acabou de achar um tesouro, o soldado abraçou-o, dizendo-lhe:
- Você está livre homem! Está livre!
O prisioneiro deu seus últimos suspiros, enquanto o comandante da tropa chegava ao local.
- Nós queríamos evitar isso rapaz. Você compreende, não é?! Era preciso libertá-lo.
O comandante virou-se para os repórteres que chegavam naquele momento e disse com uma expressão de vitória:
- Podem anunciar para o mundo que o último prisioneiro foi libertado.