A louca de


Búzios

 

 O casal de noivos Elisangela e Cléber há muito planejava o casamento. Residiam num pequeno apartamento alugado na Rua Gurupi, no Grajaú. Ela, cabeleireira de um pequeno salão de beleza perto de sua casa e ele, bancário, tinham um orçamento curto que postergou muito seus planos ambiciosos. Elisangela, uma morena de cerca de 28 anos, baixinha de pernas volumosas, ancas largas, cabelos longos, alisados e bem tratados, tinha o padrão de beleza da mulher da baixa classe média carioca. Quando iam à praia ela chamava a atenção ainda no metrô por suas curvas voluptuosas e quando tirava o short e ficava em pé com seu tom de pele “cor de jambo”( como era descrita a morenice de Narizinho, por Monteiro Lobato) mal coberta por seu exíguo biquíni fio dental, e passando o protetor solar com movimentos sensuais pra cá e pra lá, muitos homens na praia, lotada dos domingos no Flamengo, mal conseguiam disfarçar os olhares libidinosos que tanto irritavam Cleber. Este tinha a aparência típica de um jogador de futebol: corpo sarado, tatuado, com um imenso Jesus Cristo, com sua coroa de espinhos, estampado no bíceps musculoso, cabelo de recruta aparado dos lados, com máquina zero, e um alto topete fixado por um gel tipo “brilhantina”, como se dizia há décadas atrás. Seu porte futebolístico também atraia muitos olhares femininos instigando os ciúmes de Elisângela. 

 O casamento que planejavam era bem custoso principalmente pelos caprichos pequeno burgueses da moça: a igreja tinha que ser a Paróquia São Francisco Xavier toda decorada com lírios brancos, que exalam um odor dionisiaco, seu vestido deveria ser rendado de cauda longa e extenso véu cobriria-lhe a face e as costas até a cintura. Até a roupa de seu futuro marido ela fazia questão que fosse um terno cinza com um colete do mesmo tecido, gravata borboleta vermelha presa ao colarinho engomado da camisa branca de linho de punhos igualmente engomados e um lenço vermelho cuidadosamente dobrado em forma triangular no bolso esquerdo do paletó. A recepção deveria ser no salão principal no Grajaú Country Clube, para comportar as duas grandes famílias grajauenses, a clientela do salão de Elisângela e todos colegas bancários de Cléber. 

 A lua de mel dos sonhos seria em Búzios, num hotel perto da orla. Para tamanhos gastos eles teriam que esperar mais um ano de árduo trabalho e um grande esforço para poupar a cada mês o suficiente para pagar as diversas dívidas que o casal já havia contraído.

 Enfim, a almejada celebração aconteceu, com pompa e circunstância, como planejada pelo casal e uns dias depois partiram de ônibus para Búzios. 

 No belo e caro balneário, dolarizado pela invasão de argentinos que praticamente passaram a dominar a economia e o idioma da cidade, as primeiras desavenças do casal começaram a surgir. A beleza e a ostentação dos veranistas, da alta classe média carioca, passaram a ser motivo para as cenas de ciúme, principalmente por parte de Elisângela. Lindas garotas que lotavam as dezenas de praias paradisíacas, algumas de acesso apenas por lanchas ou escunas fretadas, começavam a tirar o sossego da moça recém-casada que se incomodava com os olhares nem tanto discretos que as belas e esbeltas veranistas lançavam sobre seu marido de porte atlético. E as cenas de ciúme começaram a se suceder com frequência cada vez maior, ainda dentro das embarcações que os levavam para as praias. Os belos dias ensolarados e as noites crepitantes de Búzios tornaram-se assim palco para brigas cada vez mais intensas dos recém casados. 

Certa vez, Cleber, farto de tantas desavenças provocadas por sua mulher, saiu do hotel e resolveu se aventurar, caminhando só pela orla da principal praia e atraindo olhares femininos, quando finalmente se deparou com uma sensual estátua de mulher, vestindo jeans, uma blusinha listrada e sentada em cima de uma mala com a pernas semi abertas em posição erótica. No pedestal da estátua estava gravado numa placa: Brigitte Bardot. Cleber se encantou com a moça de cabelos soltos, parecendo uma adolescente magra e sensual, moldada em bronze. Voltou para o hotel, onde Elisângela o aguardava de mau humor, e passou a pesquisar no Google quem seria a tal Brigitte Bardot que tanto o excitara e de quem jamais ouvira falar, e leu: 

 

 

“Brigitte Anne-Marie Bardot é uma ex-atriz, ex-modelo e ativista francesa, iniciou sua carreira artística como modelo, sendo considerada um dos maiores símbolos sexuais dos anos 1950 e 1960. Tornou-se ativista dos direitos dos animais, após se retirar do mundo do entretenimento e se afastar da vida pública. A fama internacional da Armação dos Búzios é grande parte fruto das visitas de Brigitte Bardot, não há quem discorde. Em frente a baía, na região central, existe uma escultura da atriz feita em bronze, que pesa aproximadamente 160 kg e se tornou um dos pontos turísticos mais famosos."

 

 O encantamento de Cleber com a sensual representação em bronze da atriz foi crescendo proporcionalmente à medida que as discussões do casal iam aumentando em frequência e intensidade. Chegou a sonhar fazendo sexo com a atriz-estátua. No dia seguinte arranjou uma desculpa e saiu em direção à estátua que em sua mente já se confundia com a atriz real. A estátua ganhava para ele cada vez mais vida e carnalidade. Não percebeu que estava sendo seguido por Elisângela que flagrou-o sentado na mala, abraçando e beijando na boca, com desejo indisfarçável, a estátua da famosa beldade francesa. Tomada de uma fúria tão insana quanto o desejo de Cleber, passou a gritar para que todos ouvissem:

— “Seu” sem vergonha, tarado, louco! Beijando a tal da Brigitte, né!? Eu vi no seu celular as fotos dela e tudo que você leu sobre esta safada! - gritou ela ensandecida.

— Meu bem, isso é apenas uma estátua, eu ia tirar uma selfie para mostrar a nossos amigos que viemos a Buzios- tentou justificar- se Cleber. 

— Meu bem uma pinóia! Vc ainda tem a coragem de mentir para mim, pois eu vi tudo e vou espalhar para todos que você é um tarado que beija e sente tesão por estátuas! 

 Todos que passavam pela movimentada Praia da Brigitte, ficaram espantados com a cena surreal, alguns mais afoitos começaram a dar gargalhadas e a dizer: “que casal doido!”

 No dia seguinte foi a vez de Elisângela escapulir do hotel, sem que Cleber acordasse, e foi para uma casa de ferragens onde comprou uma pesada marreta  de cabo longo, dessas capazes de quebrar paredes e asfalto. Furiosamente dirigiu-se à estátua e passou a golpeá- la sem piedade na cabeça, nas pernas entreabertas e em todo corpo, como se quisesse matá-la. A cada golpe desferido, gritava: “francesa vagabunda, sem vergonha, sirigaita!” Exatamente como se a peça de bronze fosse a Brigitte em carne e osso há cerca de 50 anos atrás! Avisada, a polícia chegou a tempo de prender a moça por depredação do patrimônio público. “A louca de Búzios”, como passou a ser conhecida a pobre Elisângela, ficou presa por alguns dias, sendo motivo de chacota das outras presas, até que a família da moça, com sacrifício, pagou pela fiança acrescida pelo orçamento da restauração da estátua. 

 Alguns meses depois estavam separados por causa de um desejo e um ciúme, ambos insanos.

 

 

Roberto Leon Ponczek
Enviado por Roberto Leon Ponczek em 17/01/2024
Reeditado em 03/06/2024
Código do texto: T7978629
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