AS TRÊS PÉROLAS

As montanhas, tão escarpadas, e os longos caminhos subindo sempre, tão cheios de perigos, faziam com que os povos daquelas aldeias na base da montanha, bem pertinho do mar, tendo sustento fácil nas águas e na terra plana, simplesmente não subissem até lá acima.

Às vezes encontravam-se com as gentes lá do alto, quando viajavam por mar até às outras aldeias que ficavam do lado de lá da ilha e da grande montanha, para onde era fácil aos que viviam lá em cima descer quando queriam.

Mas no resto do tempo, viviam nas suas aldeias, tranquilamente. Olhando para cima, viam a grande lua no céu, magnífica, e na sua simplicidade achavam que era uma grande pérola. E erguiam para ela os seus olhos e os seus pensamentos, fascinados com tanta beleza, e fantasiavam como deveria ser maravilhoso viver num lugar tão alto, mas tão alto, que a pérola nunca se escondesse por detrás de nenhuma montanha. Esse era o sonho de todos.

E que bela era, aquela pérola. Que enorme e que preciosa. Todos gostariam de tê-la, mas todos sabiam também como era impossível. Sabiam que lá no alto da montanha estariam mais perto, poderiam vê-la durante toda a noite, mas ainda assim não conseguiriam chegar-lhe.

Então, em algum momento que já ninguém saberia precisar, começaram a surgir uns rumores sobre a existência de uma outra grande pérola escondida na selva, numa clareira mágica onde havia um pequeno lago. E as gentes lá do alto da montanha abeiravam-se do imenso precipício para vê-la brilhar cá em baixo, por entre as árvores.

E foi assim que, aos poucos, alguns buscaram descobrir o caminho até essa clareira na selva, onde havia um lago com uma pérola bastante menor, mas que podia ser alcançada.

Podia ver-se, nos olhos de quem adentrava o bosque assim tão profundamente, uma espécie de reverência crescente que já dizia tudo, e que ia aumentando com a compreensão de que esse lugar, onde ia chegando, tinha algo de sagrado.

E na entrada da clareira, perante aquele raio de luz crua onde oscilavam sugestões de todos os tipos, cintilando ora em brilhos de estrelas, ora em pó de fadas, olhavam para cima e viam-no rasgar a penumbra verde-folhagem do lugar e cair precisamente sobre o pequeno lago de águas transparentes, revelando, enorme e enigmática sobre a areia alva do fundo, uma magnífica pérola em repouso.

Talvez não houvesse em nenhum outro lugar uma luz assim, que tão bem revelasse a perfeição daquela pérola singular, evidenciada de uma tal forma, com tal pureza, que tudo mais se recolhia a um segundo plano, como se servisse apenas para acolchoar, como num estojo, o lugar onde ela se exibia em seu fantástico repouso.

Era enorme e singela, e estava ali, apenas, sobre a areia muito fina e pura do fundo do pequeno lago, cujas águas frias nada jamais parecia perturbar. Não havia vento ou folhas errantes, nem poeira buscando outros caminhos, ou sequer um pequeno animal sedento… Nada jamais fazia estremecer a sua superfície, ou diminuir a sua transparência.

O lugar era antigo, e cheio de lendas, e poucos eram os que conseguiam alcançá-lo, mesmo os que se dispunham a caminhar longas horas pela floresta muito densa, tentando seguir trilhas praticamente invisíveis.

Mas mesmo pelo caminho, olhando em redor, era possível ir descobrindo vestígios da presença de outros. A vegetação ganhava um tom de verde um pouco mais dourado e, discreta, escondia pequenos objetos um pouco por toda a parte.

Aqui eram potes de barro, com tampa, muito ornamentados. Pratos com o que pareciam ser restos de oferendas. Pequenas caixas. Mais além uma pequena flauta de osso. Pequenas candeias de óleo, agora apagadas. Moedas. Algumas joias. Algumas das coisas eram nitidamente muito antigas.

Dizia-se que, mesmo nas noites mais escuras, havia na clareira aquele brilho especial, como o da pérola no lago, mas isso ninguém conhecido poderia garantir. E que esse brilho aparecia nos olhos daqueles destinados a conhecer a pérola no lago, e também nos olhos dos apaixonados quando se julgam a sós e ficam pensam na pessoa amada. Não sei.

O velho pescador de pérolas, muito pobre, ainda estava abrindo algumas ostras com a faca, agachado no fundo do seu barco encostado ao meu, no final da tarde que já corria para a noite, enquanto me contava esta história antiga.

Dizia-me que a escutara pela primeira vez do seu bisavô. E de vez em quando olhava para terra. Não para o céu, como eu esperaria, mas para um ponto no meio da mata, junto à base da montanha. Olhei também, mas não chegou a ser um brilho o que vi, e durou apenas um momento. Assim mesmo, chegou para me fazer interromper o que estava perguntando, e ele percebeu.

- Você também viu, agora mesmo, não foi ? – e riu-se desdentado, uma risadinha cúmplice e longa. – Lá do alto da montanha, olhando para baixo também se vê, às vezes, pelo meio das árvores. E é uma pérola grande, garanto. Uma vez, eu fui lá acima de propósito para ver…

Surpreendido, tudo o que consegui foi interrogá-lo.

- Então é verdade, tudo o que dizem ?- perguntei, olhando para ele.

Ele encarou-me sempre sorrindo, enquanto respondia. Entretanto ficara quase noite, e o seu sorriso era mais largo. Nos seus olhos, duas pérolas agora brilhavam olhando para mim.

- Meu filho, eu sou só um velho ignorante que apanha pérolas. Escolhi não viver lá em cima, porque não aguentava estar tão perto e não alcançar a maior de todas elas. E depois, não quis ficar numa dessas aldeias na base da montanha, e viver correndo atrás dum brilho na selva, onde os caminhos mudam constantemente de lugar, e onde alguns homens se perdem para sempre.

Fez uma pequena pausa, algo emocionado. Depois continuou:

-Por isso vivo na praia, e neste barquinho. E tenho todas as três pérolas ao mesmo tempo: - Tenho aquela gigante, lá em cima, que a montanha esconde depois de um tempo. Tenho a outra, que a selva abriga no lago, e que às vezes brilha para mim um sorriso rápido por entre a escuridão da mata, como você viu também, há pouquinho. E tenho estas pequenitas – mostrou uma, erguendo a mão - que as ostras me vão oferecendo, uma de cada vez, e que para mim não valem quase nada…

Henrique Mendes
Enviado por Henrique Mendes em 01/01/2024
Código do texto: T7966656
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