Vênus
Eram por volta de onze horas da manhã no pobre vilarejo que era cercado ao norte, leste e sul por montanhas, e a oeste por mar.
Como era de costume o almoço sempre ao meio-dia e meia, João ordenou sua filha:
– Maria, colha as cenouras e entregue para sua mãe; vou para a praia pescar.
Em seguida, João pegou uma rede e caminhou para o litoral. A areia estava quente, insuportável de se andar descalço, o mar estava calmo e com nuvens distantes.
Ele entrou em sua canoa e remou até uma distância razoável da costa e jogou sua rede, sem vir peixe algum. Depois de tanto jogar a rede e não vir nenhum peixe, João sentou-se, irritado e praguejando em roucos sussurros.
Enquanto resmungava, uma espuma surgiu no mar e em seguida apareceu uma enorme ostra rosa e branca.
Admirado, ele se aproximou da ostra, inclinando-se para fora do barco. João tocava e batia nela, até que a ostra se abriu: saiu de lá uma mulher nua, com cabelo ruivo como cobre e a pele branca e lisa como porcelana. Ela tinha um rosto que qualquer mulher invejaria e um corpo que qualquer homem desejaria.
Encantado, João puxou-a pelo pulso, arrastando-a para canoa.
– Meu caro mortal, sou Vênus, leve-me ao topo da mais alta montanha e lá te darei tudo o que deseja – disse a mulher.
Então remou João até a praia, segurou a mulher pelo pulso e arrastou-a pelas vielas do vilarejo.
Entre as casas e árvores, ele levava Vênus a caminho da montanha. Ninguém ousou questionar João, com exceção de sua esposa:
– Quem é essa? Sem vergonha! Safado! Pilantra!
Sem respondê-la, João continuou com a deusa nas mãos.
Já no pé da montanha, ele tentou beijar Vênus, que se afastou e disse:
– Ainda não, somente lá em cima, no Monte Olimpo.
João assentiu com a cabeça e seguiu puxando-a pela densa floresta da montanha.
Enquanto subiam entre a densa mata, as distantes nuvens começaram a chegar, formando uma massa escura sobre eles.
– Estamos chegando? – perguntou João.
Ela não respondeu e continuou subindo monotonamente. João estava ansioso e se esforçava para conseguir acompanhar a deusa.
Repentinamente, as nuvens começaram a condensar e iniciou um leve chuvisco. Apesar da iminente chuva, nenhum dos dois pensaram em parar.
A chuva começou a engrossar e os relâmpagos iluminaram a floresta. João notou que os cabelos ruivos como cobre adquiriam uma coloração esverdeada.
– Podemos parar até a chuva cessar? – Perguntou.
A deusa não disse nada e continuou a subir. O silêncio deixava João preocupado, porém ele preferiu não dizer mais nada.
Ao subirem, passaram por uma grande clareira, até que então um raio acertou a cabeça da deusa: sua pele branca como porcelana se quebrou na altura dos olhos de modo que era possível ver os pistões e engrenagens que faziam a deusa funcionar.
João ficou assustado: “o que faço agora? Como que vou amar um robô?” pensou ele sentado em um tronco caído.
A deusa quebrada e de joelhos sussurrava palavras incompreensíveis e em seguida caiu de bruços no chão. Ali foi o fim do sonho para João: o que ele poderia fazer? Voltar para o vilarejo e passar a vergonha de ter traído sua mulher com uma máquina? Ficar nas montanhas e nunca mais ver o rosto de ninguém da vila?
João claramente não sabia o que fazer.