SONHO "ARRETADO" DE BOM...

SONHO "ARRETADO" DE BOM... 

Não sou nem besta de perder um sonho desses... anoto às pressas, às 2 da madrugada desta terça-feira, 7 de novembro, esperando capturar no papel todas as belas imagens do lugarejo, captar quase como foto a essência da cidadezinha perdida (ou achada, melhor dizendo) em algum lugar do, suponho, árido Nordeste. Pois não é que ela tem até um lagozinho, com pedalinhos imitando cisnes... e logo na entrada de Luzilândia, após o pórtico monumental ? Quem não gostava da missa dominical se esbaldava no laguinho, tomando banho ou "pedalando". A querela que movimentava a central de fofocas do lugar era a disputa entre doma Inês Casta de Castro e a ricaça Maria Mariana do Mar Amado. A tradicional lojinha de dona Inês fora superada pelo lojão moderno e superior de dona Mariana, a "Loja M", que só vendia coisas começadas com M, tudo chinês, vindo da capital, novidades insuperáveis. 

Não, leitor maldoso, estrume não vendia. não... até porque bois e vacas estavam em falta, o povo os comera todos devido à carestia, á seca avassaladora. A lojinha tradicional de dona Inês vivia às moscas, sobrevivia das lembranças de quase meio século vendendo de tudo, menos "merda de vaca" que, aliás, era um "santo remédio" (?!) para feridas purulentas. Nem a decantada rapadura tinha saída, preferiam agora os chocolates. Acabara de chegar um "coronelzinho" da cidade grande, senhor fino, alto e magro, de óculos e chapéu de feltro, coisa rara, além de reluzente revólver prateado na cintura, autêntico "cowboy" das Alagoas. Foi ver dona Inês e seus olhos brilharem, a viuvona enxuta nos seus 45 anos bem tratados. Diziam as "candinhas" que matara o marido "na cama", furunfando, as molas do único colchão desse tipo na cidade a reclamarem de tanto trabalho noturno... e diurno, também. Onofre não aguentou o "rojão", digo, a esposinha fogosa.

O visitante seguiu a dama de preto até o casarão, com a superloja ao lado. "Oba, viúva e rica, é tudo o que preciso" !, pensou o pilantra e aproximou-se, se apresentando: 

-- "Senhora, sou o coronel Ludovico... é um prazer conhecê-la" ! Tomou delicadamente uma das mãos da dama (ooh !) e beijou-a respeitoso, chapéu na mão (2 ooohhs !)... se o cumprimento era ato comum na capital, ali era PEDIDO formal de casamento e com "agravante" inusual, incomum, o BEIJO, que só após casar sucedia. 

-- "Pois bem, senhor Ludovico, eu ACEITO... bem vindo à família dos Castro. Meu filho, arrume 1 quarto para ele" ! 

O jovem, que acompanhava a cena, nem se mexeu. 

-- "Como assim... ACEITAS o quê, senhora" ?! 

-- "Como assim... COMO ASSIM ?! Aceito vosso pedido audacioso de casamento, coronel. Não me torne desonrada na cidade inteira, já me basta Maria Mariana para isso" ! 

-- "Mas, madame, apenas a saudei respeitosamente" ! 

O filho, Onofrinho, entrou furioso na conversa: 

-- "Canalha, casa por bem ou por mal, aqui não se toca numa dama nem se ousa beijá-la antes de casar. Vou lavar a honra de mamãe num duelo amanhã de tarde" ! 

-- "Rapazinho, não se exalte, posso matá-lo" !, batendo sugestivamente no coldre da reluzente garrucha. 

-- "Quem escolhe as armas do duelo é o desafiante, nesses casos... BANANA DA TERRA para os dois, é a tradição" ! 

-- "O QUÊ ?! Não vou participar de uma palhaçada dessas" ! 

-- "Não podes recusar, verme... conspurcaste (quase não sai o verbo esquisito) a HONRA de uma dama da sociedade luzilandense. Vais mofar no xilindró" ! 

Mentia... nem cadeia havia no lugar, mas o turista ignorava. 

-- "Tudo bem, esqueçamos o "imbróglio"... EU CASO" ! 

-- "Isso não modifica a situação, futuro padrasto, mamãe foi ultrajada. Vamos ao duelo" ! 

Dona Inês ficou orgulhosa com a coragem do filho e satisfeita por voltar a ter "1 cobertor de orelhas" para esquentar-lhe as costelas nas noites de inverno. Nesses momentos colchão de palha de milho ou de penas de pato e galinha são mais vantajosos, as molas parecem "pedaços de gelo". A notícia pipocou na cidade inteira em minutos, até os vira-latas trocaram "au-aus" comentando o duelo. Foi declarado feriado "nacional" aquela data, o último duelo se dera 32 anos antes, estava relatado nos Anais do Fórum local, briga entre dois edis antagônicos. 

Postaram-se a uns 6 ou 8 metros, cada qual com seu cacho de bananões verdes, duros como pedras. Podiam desviar-se das "balas vegetais", mas nenhum o fez, eram cabras machos. A "munição" já escasseava quando -- num golpe de sorte -- o coronel enfiou meia banana num olho do Onofrinho, que cambaleou. A fúria de todos os deuses encarnou no rapazote, que fez chover sobre o oponente toda a bananada que lhe restava. Uma delas tirou os óculos do janota e a seguinte rachou-lhe "o pau do nariz". O granfino tirou o lenço da jaqueta, limpou o sangue que jorrava e o balançou à guisa de "cessar-fogo". 

VENCERA... o povo levou Onofrinho nas costas, em triunfo, a honra do lugar estava a salvo. O rapaz agora é chamado de "Galo Cego" e tem casamento garantido com a melhor moça da cidade, a filha única e rica da Maria Mariana.    

"NATO" AZEVEDO (em 7/nov. 2023, 3,30hs)