Um Convite Inusitado
Aceitar ou não determinados convites é um dos maiores desafios que temos que enfrentar na nossa rotina de vida. Quando se trata de um íntimo, para o qual nossas palavras possuem pesos quase iguais, tanto para elogios e concordâncias quanto para verdades duras e desaprovações a tarefa não é lá tão árdua, salvo exceções. Por outro lado, ao se tratar de alguém que conhecemos, mas não ao ponto da liberdade de certas expressões a coisa muda de figura. Mas, em ambos os casos isto pode levar a um futuro que jamais imaginaríamos ou transformar uma vida.
Foi o que aconteceu comigo há pouco mais de um ano enquanto passei, em búzios, na costa praiana do rio de janeiro, uma temporada pela qual meu espírito vinha há muito ansiando. Foi um período de minha vida em que experimentei o que vem a ser de fato férias para descanso; porque o que já tinha sentido no corpo e no espírito como resultado de uma fuga da rotina habitual nunca tivera sido férias, mas uma troca da excitação do trabalho pela excitação do lazer, o que vem a dar no mesmo; o organismo sofre do mesmo jeito.
Em Búzios; mais precisamente na praia Rasa, onde eu me encontrava, sente-se realmente o som do silêncio. Quando cai a noite, e os pássaros já se recolheram aos seus ninhos, parece que o suave marulho da praia distante vem até nós. Por não haver o costumeiro incômodo ronronante a que já nos acostumamos por habitar a cidade grande, tudo é calma, tudo chega a ser estranho; o ar marasmático traz consigo a lassitude que não se explica, pois que não houve o que conduzisse a ela. É este clima das aldeias de Búzios.
Há um pouco mais de ar fresco do lado de fora da casa. Aqui dentro, contudo, o calor é insuportável; faz esquentar o ar do ventilador. Mesmo a tentativa de entretenimento com a leitura de um livro não é capaz de mitigar o desconforto do clima. Minhas costas molhadas pelo suor encharcam o espaldar da cadeira. Os mosquiteiros ineficientemente trançados não impedem a intromissão de pernilongos; coço as pernas, tento esmagá-los a palmadas, mas eles são mais ágeis e o estalo de minhas mãos torna-se inútil; só me faz gastar energia, o que me cansa e entedia. A opção da rede atravessada em minha varanda traz a esperança de um reconforto. Menos inquieto agora e um pouco mais relaxado penso no convite que acabara de receber.
A casa desse meu conhecido fica na beira da praia. Deve ser um prazer, daqueles que fazem a vida valer a pena, dormir e acordar a poucos metros de onde a onda vem beijar a areia, fazendo da noite a poetisa mor e da cançoneta do mar o embalo do sono. É uma situação privilegiada a dele. Conheci-o por acaso no dia de minha chegada a Búzios em um restaurante; eu tinha fome e resolvera parar e comer alguma coisa. Foi quando, durante uma conversa muito agradável e descontraída, convidou-me para um fim de semana em sua casa de praia. Segundo deu-me a saber, administrava uma espécie de bar com a esposa.
Ali recebia turistas, brasileiros e estrangeiros e oferecia de tudo um pouco; desde alugueis de barcos, variadas refeições de frutos do mar, estadia, se necessário fosse, materiais para pesca, além uma extensa gama de jogos como bilhar, carteados entre outros serviços. A curiosidade, aliada a sua personalidade atraente e seu jeito convincente de se expressar atiçou-me a vontade e eu aceitei o seu convite. Pediu-me que chegasse à hora do almoço e antes de finda a manhã eu já lá me encontrava.
Ao sair da estradinha principal, segundo a descrição que ele me dera, entrei na rua indicada, quase totalmente sombreada pela densa vegetação. Guiando por ali, tranquilo e sem pressa sentia, à medida que avançava, a maresia penetrante invadir-me os pulmões. Ao pegar uma ligeira inclinação, logo à frente, vejo abrir-se diante de mim o mar em toda sua vastidão. Virando à direita reconheceria sua residência.
Em uma das ruas que desembocam na praia a fila de carrosestacionados denunciou-me o destino que procurava. Deixei ali o meu automóvel e desci a pé o restinho de rua que me faltava até alcançar a casa. Todos se divertiam bebendo e conversando ao som de música, ao redor de mesas de madeira arredondadas sobre a areia. Os bancos eram confeccionados com troncos envernizados de assentos quadrados em que cabiam duas ou três pessoas; tudo lembrava um restaurante à beira mar.
Impressionou-me a quantidade de mulheres, eram em número maior do que o de homens. Pelo sotaque de algumas conversações que já me chegavam aos ouvidos à medida que eu me aproximava, havia estrangeiros entre os que ali estavam. Meu conhecido, que já me reconhecera de longe, sem esperar que eu alcançasse o balcão em que se encontrava, contornou-o e veio em minha direção. Trazia nas mãos o que me pareceu de longe um copo com caipirinha.
- Como vai? Tome – disse, estendendo-me o copo. Não vou perguntar se aprecia; é a preferida de todos os meus convidados. Venha; vou apresentá-lo a algumas pessoas.
Era mesmo caipirinha. Percebi, pela sua descontração, que já havia bebido um pouco. Não deixei que se adiantasse, segurando-o levemente pelo braço.
- Espere um pouco – eu disse ao pegar o copo de suas mãos. – Por que não me apresenta a sua casa em primeiro lugar; é aqui mesmo que mora?
- Sim; esta é minha casa de praia. O que achou?
Era mesmo um belo imóvel. Por trás de uma espécie de bar e anexado a este erguia-se a residência, com um varandão no segundo andar em feitio de sacada, grades de ferro esmaltado e várias janelas de um cortinado de seda que a brisa fazia, de leve, esvoaçar. Perguntei por sua esposa e ele foi lacônico na resposta ao dizer que viajara naquela manhã para o Rio de Janeiro. Insistiu que desejava apresentar-me aos seus convidados e eu caminhei com ele em volta das mesas apertando as mãos de pessoas que nunca vira antes na vida. Depois nos retiramos para um canto e começamos a conversar.
Ele não precisava rodear o assunto, como tentou fazer a fim de me confessar a verdadeira natureza do seu negócio. Eu percebera de imediato tratar-se de um bordel. De um jeito bem espontâneo e com a expressão de uma simpatia forçada alegou que sua intenção era me fazer uma surpresa, pois, segundo ele, não há nada que mais agrade a um homem do que a companhia de belas mulheres. A princípio senti raiva e como que traído por uma deslavada mentira. O que mais me desgostou foi o fato de me fazer chegar até ele convencido de que conheceria realmente sua família, almoçaríamos, passearíamos de barco; enfim, seria realmente o início de uma grande amizade. Mas jamais esperaria me encontrar naquele tipo de ambiente.
- Desculpe; mas infelizmente não poderei ficar para o almoço. Tenho um compromisso e preciso me retirar.
- Mas não sem antes conhecer Catarina; se me der o prazer de apresentá-la.
Minha vontade inicial foi a de virar as costas e arredar pé sem mesmo me despedir. Contudo, premido por uma inexplicável sensação de curiosidade que, até os dias de hoje quando me lembro, não consigo explicar - algo que me veio como uma intuição ou um sexto sentido - estanquei o passo e aguardei, enquanto o vi acenando para uma morena alta dentro do bar, sozinha a uma mesa, ao lado de uma garrafa de Coca-Cola.
- Catarina; quero que conheça alguém especial e interessante – disse, deixando-nos a sós em seguida. – Espero que se sintam em casa – concluiu enquanto se afastava.
A morena era realmente bonita; tinha uma cabeleira acastanhada e em cachos, indo um pouco abaixo do ombro. Sorria um tanto timidamente e abaixava as grandes sobrancelhas cobrindo os olhos, denunciando todo o seu formato amendoado. Em pouco mais de cinco minutos de conversa senti-me totalmente à vontade na sua presença e logo nos identificamos. Não me parecia em nada uma mulher de programa e realmente não era.
- O que então faz aqui? – perguntei intrigado.
- Estou numa encruzilhada. A falta de dinheiro me atormenta; minhas dívidas chegaram pela hora da morte e depois que papai morreu encontrei-me em uma ilha perdida, pois vinha dele toda minha sustentação. Estou aqui, e, no entanto a dúvida persiste cruel. Mesmo no meio de todos esses homens não sei se terei coragem.
- Já saiu com alguém?
- Não, não! Não dessa forma. Posso não demonstrar, mas meu nervosismo chega ao ponto de fazer minhas carnes tremerem. Meu Deus! Só de pensar...
Embora vendo entre sua aceitação da oferta de se prostituir e seu estado de espírito um contrassenso eu acreditava em suas palavras e cheguei a me condoer de sua situação.
- Só há um jeito – eu falei – largue tudo e vai embora. Você tem tudo para se realizar sem que seja preciso entrar para este tipo de vida. Ainda há tempo de voltar atrás; você sequer começou. Ela fixou em mim seus grandes e magníficos olhos.
- Poxa! Você é realmente diferente dos homens que conheci até hoje. Qualquer um faria tudo para me levar para cama pagando-me o preço que eu estipulasse depois de ouvir a minha história. Mas você...
- É que minha história é um tanto parecida com a sua. Não nesse sentido, é claro. Na verdade, não queria estar onde estou.
Falei de mim para Catarina, de como chegara até ali, de como a vida nos causa momentos e surpresas inesperadas. Foi uma conversa que se prolongou por horas a fio, mas não passou disso. Iniciamos ali uma amizade que com o passar do tempo fortificou-se e se transformou num relacionamento lindo, sério e duradouro. Fo assim que conheci minha esposa atual
Professor Edgard Santos