Atrapalhada policial

Entreato

Até o presente momento a noite oferecia-se relativamente clara e quente sem nuvem alguma no hemisfério austral, pelo menos até onde a vista de alguém pudesse alcançar, contudo, ao bem da verdade, a promessa, de fato e, em realidade, seria outra. A de uma noite invulgar. O Satélite natural de a Terra no deslum-brar do seu crescente, de halo à àquela hora um tanto apagado, era como se, de castigo, devesse permanecer paralisada para todo o sempre nos confins do firmamento.

No frondoso e extenso aglomerado de árvores de as mais variadas espécies numa vasta área de terra montanhosa, encontra-se cravado firme e forte o centenário Colégio Sagrado Coração de Maria da Purificação na cidade de Comendador Levy Gasparian, cercado por muros de construção maciça e altíssimos. Desde aquele lugar, o espaço exterior, ou seja, a Constelação do Cruzeiro do Sul de brilho intermitentemente vê-se como de vida própria. As Três Marias, no autêntico Cinturão de Órion, cintilam com olhos bruxedos à espreita de algo que pu-dessem levar a cabo com insaciável perversidade como, por exemplo, serem testemunhas infinitas em conluio com a Lua e o Cruzeiro do Sul.

Dentro dos mesmos muros, dois corpos suados uniam-se em ardente cópula estirados nus numa pequena elevação de terra rodeados por flores silvestres e tufos de grama baixa bastante verde em meio a um pomar ainda em flor. Tudo indicava ser uma noite perfeita para o amor, pelos beijos ardentes e em pro-fusão oferecidos ao ritmo dos violentos movimentos da penetra-ção corporal. O ato sexual suave e louco ao mesmo tempo, in-terrompeu-se, se tanto, aos quinze minutos de dar-se início.

De súbito, milhões de pequeninas estrelas opacas junto a faíscas brilhosas amalgamadas a uma acinzentada e espessa né-voa, um dos dois enamorados seres, aos poucos, ia transforman-do-se num monstro com cabeça e tronco de mulher, corpo de leão e asas de condor. Rugindo alto, sem eira nem beira. Des-compondo a voz para que soasse alta e clara, da sua bocarra fez germinar um enigma dirigido ao companheiro de cópula. Os gritos de pavor de um dos da parelha ao presenciar a horrenda transmutação, ouviam-se ao largo profuso e claro, verdadeira-mente aterrorizantes. Não havia mais nada a fazer, nada de aju-da ou nada de salvação: a vida não valia mais nada para aquele ser; nem mesmo um vintém que fosse. Não existia vivalma nas redondezas, exceto aquelas duas criaturas, todavia, uma delas, no meio do arvoredo frutífero onde se encontrava, em poucos minutos deixaria este mundo pecador para sempre. A implacável Esfinge não teria compaixão, pois resposta alguma obteria ao enigma que iria a ser proposto: o mesmo ficou apenas no enun-ciado, “decifra-me ou te devoro. . .”, e mais nada.

Simples assim.

Perpetrada a sanha, o terrível e gigantesco transmudado monstro voou por cima das copas das árvores rilhando e bra-mindo alto de satisfação pela maldade cometida, desaparecendo na noite, até àquela hora, relativamente quente e clara. Em se-guida, após o descomunal voo rumo ao desconhecido, como que num passe de mágica, o tempo na região cambiou de humor, repentina e drasticamente. Do céu aberto e estrelado do gostoso clima tropical de altitude, sem chumaços de nuvens, passou para o turvo, carregado de ameaçadoras massas d'água gelada e escu-ra com um só propósito no espírito desejoso de vingança: mas por que vingança? A de despejar ao solo toda sua impetuosida-de, a chuva avassalante vinha acompanhada de raios destruido-res e granizo.

O Colégio Sagrado Coração de Maria da Purificação, é um colégio conservado nas tradições da Companhia de Jesus desde a foçada retirada da Ordem para a Europa. Desde então a direção da instituição permaneceu a cargo da Congregação com o mes-mo nome do colégio mantido e dirigido pelas freiras desde a metade do século XVIII até os dias de hoje. A nobre instituição de ensino infanto-juvenil, na atualidade atende alunos de ambos os sexos.

A Congregação com sede em Pernambuco é proprietária de uma vasta área terra cercada por altos muros aproximadamente a 5 km de distância do centro da cidade de Comendador Levy Gasparian, ao seu Noroeste, na Mesorregião Sul Fluminense, centro sul do Estado do Rio de Janeiro. Limítrofe aos municí-pios de Belmiro Braga (MG), Chiador (MG), Paraíba do Sul e Santana do Deserto (MG), Simão Pereira (MG) e Três Rios (RJ).

A madrugada do inacabado sexo terminado em morte, em específico, o colégio encontrava-se em total polvorosa pelas sirenes das viaturas da polícia, estridentes, torturantes, que en-chiam o ar do sempre calmo e largo pátio na frente da entrada principal de grande ostentação daquela instituição de ensino, com um sem fim de variações de notas musicais simplesmente deprimentes. Elas se apresentavam tão barulhentas que, conse-guia perturbar a fleuma e a paciência de qualquer ser vivente; mesmo que fosse o ser mais desligado da face da Terra. O agito era tanto que dava a impressão de que, as viaturas estavam sen-do dirigidas por motoristas chapados por drogas, ou então, alco-olizados, dando voltas e mais voltas em torno de uma enorme estátua representando a Virgem Maria da Purificação. Encontra-va-se plantada no centro da praça em frente ao edifício principal do colégio. As manobras eram perigosas e atordoantes ao ofere-cerem gratuitamente assustadoras derrapagens no frio asfalto em meio à violenta chuva. Positivamente, a uma e mais um tico da madrugada coisa boa não deveria ser.

O estardalhaço oferecido graciosamente pelos policiais, con-seguiu acordar todos os “habitantes” da instituição: freiras, in-ternos, professores, supervisores, seguranças, faxineiras, cachor-ros, gatos, camundongos e, até o papagaio de estimação da Ma-dre Superiora. Impossível seria de alguém não ouvir tamanha algazarra no interior do enorme e principal edifício do colégio de arquitetura georgiana de quatro andares com pavimentos amplos e confortáveis de distribuição simétrica e regular de, aberturas e ornamentação discreto, porém, de entrada bastante imponente com pórtico escadarias e colunatas do tempo das. . . sabe-se lá desde onde ou desde qual época. Naqueles exatos momentos, esse troço de época ou de a sua construção não tinha a menor importância, de quando ou de onde todo o complexo foi edifica-do e, ou se foram trazidos em partes separadas ou não, da Euro-pa. Deveras, essa peste não carecia de interesse algum.

Finalmente concluído o zunzunar das sirenes e o buzinaço, certamente sem a mínima necessidade em fazê-lo, as “máqui-nas” motorizadas dos senhores da lei, deixando de circundar a estátua da virgem, apagaram os seus motores. Em seguida vo-lumosas cortinas de vapor d’água subiam aos céus; eles atraves-savam os capôs das viaturas como num ritual macabro entorno de fogueiras acesas pelos fanáticos nas madrugadas cinzentas para perpetrarem ritos pagãos, indo ao encontro da embolorada estátua da virgem, por falta de manutenção e limpeza, evapo-rando-se, então, ao ferir o mármore de Estremoz, Portugal, que, na sua antiguidade, o artesão a imaginou e a criou na cor gelo.

No extremo oeste da estátua, por falta de interesse: talvez fosse por isso mesmo, há uma área que outrora chegou a ser um belo jardim, tão malcuidado que mais se assemelha ao cerrado Nordestino, a caatinga propriamente dita. Em verdade, faltava apenas uma coisa para que fosse mesmo o cerrado; as ramas com seus largos e perigosos espinhos. Já no lado norte, porém, um pouco afastado do edifício principal, entre as belas alamedas ladrilhadas com lajotas de granito, consegue-se chegar sem difi-culdade alguma ao gigantesco pátio na frente da magnífica igre-ja, batizada de Igreja de São Francisco de Assis, construída em estilo Gótico de blocos de pedras enormes, todas exatamente do mesmo tamanho de altura de três andares. As torres de uns qua-renta e cinco metros de altura, com dois gigantescos sinos de bronze trazidos desde a sua construção de Agnone, cidade da época medieval situada nas montanhas da região de Molose, Itália, apelidada de Città d’Arte, completava a nobre e requinta-da construção. As portas eram de carvalho vindo do centro eu-ropeu, de largas taboas presas por lâminas de ferro bem pinta-das, cravejadas e fixas por pinos de bronze em forma de xis. O interior da igreja, bem diferente do seu exterior, assemelha-se a uma catedral medieval, é claro que nas devidas proporções pelo seu tamanho. As soberbas arcadas da nave central de pilastras enormes trabalhadas com motivos da época da perseguição cris-tã, a inquisição, esculpidos em baixo relevo, subiam até o teto com figuras humanas humilhadas e, de animais maltratados. De dia, a excelente claridade provinha dos janelões de construção circular de vidros multicoloridos postas na parte mais alta da edificação de três em três janelões, nos quatro cantos da encan-tadora nave da igreja.

Madre Teresa, há quase dez anos e meio, era a “Manda-Chuva” do pedaço. Ao acordar num desassossego irritante, de-pois de ouvir e, em segundos ir ver o tamanho alvoroço pela enorme janela do seu aposento; a que exibia o pátio e toda a frente do colégio inclusive a estátua da virgem, procurou mais do que depressa trocar o seu camisolão de dormir por uma roupa apropriada, a fim de se inteirar o que estava acontecendo no pátio de entrada da sua estimada instituição. Exagerando no trabalho de vestir-se, demorou à beça; mesmo assim, vestiu-se muito mal. Terminada a desregrada faina, tratou de descer com a máxima rapidez as largas e compridas escadas para dirigir-se ao térreo. Sem ter a sensatez de apoiar-se ao corrimão em madeira de lei, quase sai rolando escadas abaixo por ainda se encontrar com os chinelos feitos de palha (ela gostava deles, eram bastante confortáveis) que sempre usava quando ia deitar-se. Mal se dera conta em troca-los por alpargatas ou sapatos mais confortáveis.

O quarto andar era destinado aos aposentos das freiras e a dos mestres do colégio. No terceiro andar os quartos dos inter-nos e, no segundo andar o das internas. Sendo que, todas as sa-las de aula ficam no primeiro piso. No térreo encontra-se a se-cretaria, a biblioteca, os laboratórios de química e de eletrônica, a sala de reuniões e de conferências, os vestuários gerais e o saguão de espera e de lazer, a cozinha, os banheiros e um gigan-tesco refeitório. Na parte de trás do prédio principal, há vários jardins floridos bem cuidados, quadras poliesportivas, o salão de festas e mais ao fundo, um prédio de cinco andares com aparta-mentos mobiliados para a acomodação do restante dos funcioná-rios e, ou para visitantes casuais.

Madre Teresa, ao chegar ao grandioso e aconchegante saguão principal, o de entrada do colégio, propriamente dito, abarrotado de baixas-meia-colunas-salomônicas em mármore cinza com bustos em bronze de todas as freiras que “governaram” o con-ceituado estabelecimento de ensino desde a sua fundação, bas-tante nervosa, quase derruba meia-dúzia deles. Botando os bofes pela boca, a muito custo, abriu as duas enormes portas também em carvalho; as que isolam o colégio do seu exterior. Postando-se no meio do vão com as duas mãos na cintura parecia um cân-taro de apanhar água. Os rústicos e enormes cântaros que as mulheres na antiguidade levavam na cabeça, nos ombros ou até mesmo nas ancas cheios de água da bica mais próxima para suas casas.

De cara a zanga, maldizendo tudo e a todos em voz baixa (céus, quantos pecados houvera cometido na vida), a religiosa olhou para o lado de fora do portal, contudo, não conseguiu ver bulhufas nenhuma. Os faróis de a luz alta de algumas das viatu-ras iluminavam todo o umbral de entrada ofuscando totalmente a sua visão, que, já não era das melhores. No assombro pelas barafundas no pátio e na pressa em descer para descobrir o que estava acontecendo de tanta gravidade, esquecera-se de apanhar seus óculos, assim como um calçado mais confortável. Com o susto tomado pela situação escandalosamente degradante, pos-tando uma das mãos ante os olhos para amenizar o ofuscar das luzes dos faróis das viaturas, observou mal-e-porcamente, a saí-da de um vulto enorme de um dos veículos. Ele caminhava na sua direção com um revólver enorme em punho: isso sim, ela pôde reparar direito. Sem pressa alguma, a figura marchava no meio da chuva sem nenhuma preocupação aparente. Naqueles momentos, a água jorrava do céu a vontade ferrenha, apresenta-va-se como um glutão insaciável.

A distinta figura era a do tenente Ozias, homem de cor, alto e musculoso, contudo sem possuir pança proeminente. Um PM veterano e feíssimo prestes a aposentar-se, de cabeça parecida a de um ovo em pé, ainda por cima, pelada em toda sua parte su-perior.

— Aceite as nossas sinceras e verdadeiras desculpas reveren-da madre. . . — ponderou o tenente Ozias tentando amenizar a escandalosa situação que os senhores da lei e da ordem haviam provocado tão tarde da noite, ou melhor:

De a alta madrugada.

— O meu nome é Madre Teresa. . . — publicou de malgrado, pondo as mãos novamente nos quadris a nervosismo ímpar. Es-sas duas almas tão desiguais, até aqueles momentos, nunca ex-perimentaram na vida o sabor de o conhecimento mútuo da “pu-ra” amizade.

Apesar da aparência, o tenente era uma “dama”, sem querer ser desrespeitoso com ele. Ozias, apesar de ter um corpo des-proporcional e um tanto ridículo, era de uma gentileza e delica-deza em pessoa.

— Mil perdões por invadir a esta terrível hora o seu tão con-ceituado estabelecimento de ensino, Madre Teresa, por favor, mais uma vez, queira me desculpar. Eu sou o tenente Ozias — pronunciou o seu nome com voz de trovão, como se já não lhe bastasse a sua cabeça de ovo em pé e o corpanzil de orangotan-go. Dadas às deslustrosas desculpas, abaixou imediatamente o braço para repor a arma no coldre; no seu flanco direito. — Co-mo a reverenda Madre já deve ter conhecimento, pois em cidade pequena não se pode esconder nada, nada de bom ou nada de ruim, estamos nos deparando com alguns desaparecimentos as-sim como um par de mortes bem macabras por toda a cidade e cercanias e, agora pouco, dentro das terras do seu conceituado colégio. A senhora já deve ter ouvido algum comentário a esse respeito, não é mesmo, reverenda Madre Teresa?

O tenente Ozias fazia às perguntas falando com certa displi-cência, ou seria timidez, sem, no entanto, a reverenda Madre, pelos fortes fachos de luz dos faróis das viaturas nas costas do tenente, não podia ver com nitidez o seu semblante que, com toda a certeza, deveria ser dos mais horripilantes possíveis. Po-rém, os pingos grossos da água da chuva, brilhosos pela intensa luz dos faróis, isso sim ela pode perceber despencando desde a peça que guarnece a parte ínfero-anterior da barretina, a pala do quepe do militar, assemelhando-se à água de cachoeira.

— Sim, sim, eu já ouvi alguns comentários por parte dos pro-fessores e funcionários a esse respeito. Mas, as minhas crianças não têm nada a haver com esse rolo! — observou um tanto agas-tada a religiosa Madre Superiora.

— Me entenda, por favor, Madre Teresa, eu não posso acusar alguém, ainda não, mas devemos apurar tais fatos, a senhora não acha isso?

Ozias exagerava nas gentilezas e desculpas. Entretanto, Ma-dre Teresa sem desmanchar os braços que ainda permaneciam firmes na sua cintura, à voz dura e rouca, respondia coisas sem nexo, mantendo a cara fechada no seu bonito rosto magro muito bem delineado, enquanto seus olhos grandes, negros e brilhantes tentavam escapulir das órbitas devido à raiva incrustada àquela hora da madrugada no seu ela mesmo: na sua essência. Raiva que, a vermelhidão da sua face branquinha, com fidelidade o demonstrava. Madre Teresa não era muito velha, beirava com bastante saúde os seus quase trinta e nove “outonos”. E havia ainda um agravo: nunca aceitou receber contradições nem des-feitas nem ordens de outra pessoa, mas não mesmo.

Muito menos de policiais.

— Eu acredito que seja esse o seu trabalho sim, sim, a polí-cia tem o dever e a obrigação disso, é claro! Tenente Ozias.

— Madre Teresa, aceite as nossas desculpas mais uma vez pelo nosso mau jeito. — O tenente Ozias não se cansava de pedir desculpas, começava a sentir-se amuado pela desnecessá-ria agitação por eles provocada. Devido ao seu tamanho e vozei-rão, as pessoas nunca o entendiam direito. — Contudo, acredito que deva dar-lhe algumas explicações pelo infeliz acontecimen-to, mas também por tirá-la do seu sagrado leito de descanso me-recido de maneira tão aborrecível. A nossa correria e toda esta confusão foi devido ao fato de termos visto algo de muito estra-nho por cima dos muros onde se encontra o bosque das oliveiras e o vosso enorme pomar bem depois da plantação dos eucalip-tos, de uso exclusivo do colégio para pôr lenha nas caldeiras acessas no inverno, quando fazíamos nossa ronda de caráter prático. Não conseguimos identificar direito pela noite negra que se nos apresenta tão voraz e, pelos altos muros que circunda toda a vasta propriedade do vosso colégio. Vimos o tal vulto pulando ou voando, não temos certeza absoluta disso pela chu-va e a escuridão total na parte norte por onde nós nos encontrá-vamos circulando em ronda, desaparecendo em seguida da fren-te dos nossos olhos e, como bem sabe a senhora que naquele exato lugar não há entrada alguma para a vossa propriedade, então. . .

— Vieram bem rápido para cá, voando, mesmo e, entraram pelo portão principal fazendo todo este estardalhaço — disse ela, irrequieta, ajeitando os cabelos negros por detrás da nuca debulhando as palavras do tenente Ozias —, não é mesmo? En-traram pelo portão principal do colégio, não foi? — Acabou re-petindo: — como conseguiram abri-lo? Não, não, por favor, não me responda nada, eu vou adivinhar, vocês o abriram com as vossas viaturas, estou certa disso?

— Nós a ressarciremos pelo estrago feito, reverenda Madre Teresa; foi necessário fazê-lo pela extrema urgência que. . . — confessava o tenente Ozias engolindo as próprias palavras a seco.

— Disso eu não tenho a menor dúvida, tenente Ozias. Mas não mesmo! Contudo, a minha queixa será dada diretamente ao prefeito. E se eu não ficar satisfeita com o resultado, falarei com o meu tio que é irmão do. . .

— Por favor, desculpe-nos superiora Madre Teresa, eu sei bem quem ele é, eu o conheço faz tempo. . . — o “orangotango” tenente Ozias não se cansava de pedir milhões de desculpas por tão infausto acontecimento —, mas. . . entenda-me, e que. . .

De voz agressiva, simplesmente a reverenda Madre Teresa não o deixou terminar de expor o que desejara dizer.

— Trataremos das devidas desculpas mais adiante, oportu-namente e, na ocasião devida, tenente Ozias, insisto nisso; nu-ma hora de maior competência. . . neste exato instante eu desejo saber o que o senhor almeja fazer? Se estiver pensando em ins-pecionar o meu colégio a esta hora da madrugada, pode ir tiran-do essa ideia torpe da sua cabeça. Se o senhor tentar fazer isso, somente o fará passando por cima do meu cadáver! — Madre Teresa exagerava no assunto. — E, sobre o de muitas outras, pessoas, também! — encolerizada não mais falava, uivava sem medir um pouquinho que fosse as suas repetitivas e irônicas palavras. — E, isso somente o senhor o fará, repito, passando por cima do meu cadáver primeiro, ouviu bem. . . — Retirando as mãos da cintura, pôs um dos seus dedos na ponta encharcada do nariz do oficial. Com o ato recriminou-o simbolicamente ain-da mais.

— Eu não vou mandar fazer nada disso, Madre Teresa, fique sossegada, mas acho de bom grado reforçar a segurança do lugar, principalmente à noite. Ah, sim, pela barafunda que fizemos ia me esquecendo do principal: a seguir com a ajuda de vários sol-dados, um dos nossos homens, conseguiu pular o muro, encon-trou um cadáver a uns oitenta metros de onde vimos o tal vulto no alto do muro amalgamado às copas dos pomares, sair voando céu arriba. A pessoa morta é um rapaz de dezessete anos mais ou menos, deitado sem roupas de costas para a relva. Dá a impressão de que alguma coisa lhe chupou o líquido do corpo, apenas restou sua pobre carcaça, pele ossos e mais nada; digo isso, nos devidos termos do relato de quem chegou a vê-lo estirado na relva. Todos os líquidos desapareceram do seu corpo. A polícia civil foi informada e já deve estar se apresentando por aquelas bandas, e é certo de que, deverão entrar pelo portão do lado este. Superiora Madre Teresa, providencie para que algum dos seus funcionários ou inspetores de alunos compareça imedi-atamente por aquelas bandas para abrir-lhes o portão. Agradar-me-ia muitíssimo de que, amanhã o mais cedo possível compa-recesse ao PPM, o nosso posto de polícia móvel para irmos jun-tos ao Instituto Médico Legal para que façam o reconhecimento do rapaz. Não há a necessidade de irem à 1º CIA 38º BPM a sede do batalhão em Três Rios. Acredito que nesse horário o corpo do rapaz já deva estar nas mãos do nosso querido doutor Vladimir no prédio do IML no centro da cidade fazendo a ne-cropsia. Mas primeiro, ao por lá chegar, passe pelo PPM, ele se encontra não muito distante, digamos quase ao lado da delegacia e vá falar comigo, está bem? E, se possível, leve junto com a senhora alguns professores e, ou alguns funcionários e alunos, eles poderão ajudar no reconhecimento da vítima; é apenas essa a recomendação por enquanto. Boa-noite superiora Madre Tere-sa. Ah! Em tempo, vou deixar uma das nossas viaturas perto da estátua da virgem de plantão até o amanhecer. E faça o favor de mandar verificar se está faltando algum aluno, professor ou fun-cionário do sexo masculino, assim como a presença de estra-nhos. Se descobrirem alguma coisa diferente do habitual avise-me imediatamente. Até amanhã! Peço desculpas mais uma vez pelo desastrado incômodo e desconforto que lhe proporciona-mos.

Indiferente com a situação e da rancidez de Madre Teresa, o tenente Ozias deu meia-volta para ir-se na direção da viatura a fim de retirar-se do colégio em total silêncio.

Preocupara-se.

Como o tenente prometera, plantou no lado sul da estátua da Virgem Maria da Purificação o carro patrulha I-20225 com uma parelha de policiais dentro dele sem a mínima vontade de por aquelas bandas permanecerem: contudo o que os dois soldados poderiam ter feito? Nada, mas nada, mesmo, pois foram ordens diretas e retas dadas por um seu superior.

Frank P Andrew

fpandrew@msn.com

Frank P Andrew
Enviado por Frank P Andrew em 03/09/2023
Reeditado em 27/09/2023
Código do texto: T7876786
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