1166-CAIM ENTRE OS PELUDOS
CAIM ENTRE OS PELUDOS
O ELO PERDIDO
- 2ª. PARTE-
Durante muito tempo – incontáveis dias(pois ele não sabia contar) - Caim vagou pelo mundo. Através de florestas, pelos campos, por montanhas e desertos, atravessou rios e pântanos que pareciam não ter fim.
Em cada lugar, caçava bichos diferentes dos quais se alimentava com prazer. Roedores, aves, pequenos bichos das matas; corças, zebras e veados nas campinas; pescava peixes e apanhava rãs. Apreciava todo tipo de carne.
Ao topar com um bando de animais de corpo cabeludo, distendeu o arco e apontou a flecha para um deles, mas titubeou. Pela primeira vez hesitou em disparar a flecha mortal.
Que bichos mais estranhos. Tem pernas e braços, mãos e pés. São parecidos com as minhas.
Afrouxou o arco e recolheu a flecha e se aproximou com cuidado dos bichos felpudos.. Os animais não se mostraram agressivos, pelo contrário: aproximaram-se de Caim e começaram a apalpá-lo, passando-lhe as mãos pelo corpo, em gestos de pura curiosidade.
Caim também fez movimentos para afagar os peludos, em gestos de paz e de entendimento. Não demorou muito e todos estavam envolvidos em se tocarem, puxar cabelos e soltar gritos ininteligíveis. Caim sentiu que os bichos eram de boa índole, que podia ficar no meio deles, e passou a retribuir os “afagos”.
Aos poucos, nos dias seguintes, foi aumentando a confiança mútua entre Caim e os macacos (pois os animais eram realmente um bando de chimpanzés). A tal ponto de andarem juntos. Os macacos pelas arvores e Caim caminhando, tentando por vezes usar os cipós para pular de um lado para o outro, tentando imitar os bichos cabeludos.
Os novos companheiros de Caim se alimentavam de frutos, folhas de alguns vegetais e brotos de árvores. Caim, por sua vez, tinha o espírito de caçador e gostava de carne. Era hábil no arco-e-flecha e sempre caçava mais do que podia devorar. Assava as partes mais tenras dos animais e deixava os restos ao léu.
Os peludos ficaram assustados com o fogo e passaram a ter um respeito de Caim. Temor, talvez, ou, quem sabe, a ideia de um ser superior entre eles?
Quanto à carne, não tocavam nos restos que Caim deixava ao redor da fogueira. Mas, por curiosidade ou por imitação, foram, dia após dia, se aproximando das postas de carnes no chão, experimentando-as. Demorou algum tempo pra que alguns mais corajosos arrastassem aqueles rejeitos e começassem a comê-los. Até que o chefe do bando passou a apreciar a carne, e com seu exemplo, influenciou todo o bando a mordiscar os pedaços.
Caim era um caçador solitário, pois nenhum dos companheiros peludos o acompanhava em suas saídas à procura de animais para abater. Entretanto, era recebido pelo bando com sinais de alegria ao voltar, trazendo nos ombros ensanguentados o resultado de sua procura.
Sentia que havia algo mais que o simples repartimento da carne. Ele próprio não entendia bem a sua satisfação em conviver com os bichos. Observava-os em todos os momentos e principalmente, quando chefe do bando e um peludo saiam do bando juntos. Seguiu o par e viu o estranho ato de se juntarem, numa prática que, sem entender bem, despertou um sentimento muito forte, uma vontade de fazer o que os peludos faziam.
Intuiu então que o companheiro do chefe era uma fêmea, e percebeu que ambos ficavam satisfeitos. Pareceu-lhe ser um ato muito gostoso para ambos os peludos.
Mas nunca encontrou um ser como ele para se juntar, como os seus companheiros de convivência. Teve ereções, sem saber o que era, mas o instinto o levava sempre para um desejo muito forte.
Então ocorreu-lhe a consciência de macho e fêmea. Lembrando-se de seu pai e sua mãe, percebeu que entre os peludos havia também um macho (o chefe) e as fêmeas com as quais o chefe se juntava.
Decidiu-se. Com sinais, atraiu uma peluda (agora sabia distinguir naturalme-nte) com pedacinhos de carne e frutas, para um local distante do grupo, e fez com ela o que o chefe fazia com as outras. A peluda não fez resistência, pelo contrário...
(tudo leva a crer que aquele -foi o momento fundamental da evolução dos macacos em humanos.- Nota do autor)
Havia um regulamento dentro do bando, que Caim já havia notado: o chefe do bando não deixava que nenhum dos machos pegasse as fêmeas. Ficava furioso ante qualquer sinal de aproximação, a ponto de lutar e bater naquele que se atrevesse.
E viu também que, de vez em quando, um peludo com uma ou duas peludas desapareciam. Os outros peludos não se incomodavam, o chefe nada fazia e tudo continuava normal.
Numa dessa saídas a dois ou três Caim os seguiu de longe, sem ser notado. Foram para bem longe da tribo de Kerchak e viu que os peludos dois haviam se separado para formar outro bando. Entendeu que os jovens do bando deviam abandonar o bando com uma companheira para poderem viver jutos e constituir novo bando . Bem longe do chefe. Algumas vezes, desapareciam três felpudos de uma vez, sinal que o felpudo macho havia fugido com duas fêmeas.
Caim entendeu rapidamente o que deveria fazer: fugir, separar-se do bando, se não quisesse ser ferido ou morto num embate com o chefe, quando descobrisse o que fizera com a fêmea.
***
Por isso, não voltou ao bando. Dalí mesmo, daquele local em que descobrira o prazer de estar com uma fêmea, fugiu. Correu pela mata não sabendo para onde ir, mas procurando colocar a maior distância entre ele e o bando. Era vigoroso e resistente, e correu muitas e muitas horas, sem parar, só se detendo para beber água quando se deparava com um córrego.
Ao entardecer, pensou em descansar e se alimentar. Colheu a frutos e matou a fome. Estava perto de uma pequena caverna, onde pensou em passar a noite. Já acalmado, achou que seria bom proteger-se, cercando a boca da caverna com galhos cheios de folhas que quebrou das árvores próximas.
Aqui poderei ficar escondido. Aqueles peludos não gostam de cavernas, preferem pular de galho em galho. - Pensou Caim
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CONTINUA
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ANTONIO ROQUE GOBBO
Sítio Estrela, Vila de Suzana, sopé da Serra da Moeda
Em15. Março, 2022
Conto # 1166, da série INFINTAS HISTÓRIAS