1165-CAIM NÃO MATOU ABEL

CAIM NÃO MATOU ABEL

1a. parte da trilogia "O ELO PERDIDO"-

Irado a não mais poder, Caim seguia por caminhos nunca dantes percorridos, sem destino, apenas no desejo de colocar a maior distância possível entre ele próprio e o pai, Adão, e a mãe, Eva.

A raiva não o tornava desatento quanto aos perigos que o cercavam de todos os lados. Os animais, dóceis criaturas no Jardim do Éden, como seu pai lhe contara, tornaram-se cruéis predadores e muito numerosos; toda a atenção era pouca.

A atenção constante, a raiva e desgosto por tudo o que acontecera não apagavam de sua memória a sequência de fatos que culminaram com a maldição que seu pai lhe lançara, expulsando-o do convívio familiar e ordenando-lhe que fosse para bem longe de onde viviam.

Caim sentia que Abel sempre fora reservado e arredio com ele. Mas ultimamente, notou que Abel estava ficando com medo, receoso de estar só com o irmão. Era muito tímido, pouco falava, não gostava de caçar nem de criar animais, mas era hábil na coleta de frutos e de ervas, que trazia todos os dias para comerem.

Caim, diferente do pai, da mãe e do irmão, gostava de comer carne. Tanto da caça quanto dos pequenos animais que conseguia manter presos em cercados, onde procriavam e eram consumidos por Caim, que sabia como assá-los nas brasas.

— Javé não criou os animais para serem mortos e comidos por nós. Você está desobedecendo Javé e mais cedo ou mais tarde será castigado. — Adão lhe enchia os ouvidos com essas e outras conversas que o deixavam chateado; chateação que crescia quando o pai elogiava Abel.

— Gosto do jeito Abel: é tranquilo, só sai de nossas vistas para apanhar frutos, colher ervas deliciosas, que prepara com gosto e que comemos com prazer. Você devia ser como ele.

Naquela triste tarde manterCaim voltava de sua caçada, trazendo preso por uma forte embira, um filhote de javali, que pretendia manter no cercado para crescer e engordar, quando viu Abel no alto de uma arvore muito alta, colhendo frutos. Chegando debaixo da árvore, olhou para cima e saudou o irmão:

— Olá, Abel!

Ao mesmo tempo, o pequeno javali soltou um guincho estridente. Abel se assustou tanto com a presença do irmão, a quem passara a temer inexplicavelmente, quanto com o guincho do animal. Deixou cair o cesto em que já estavam alguns frutos, e perdendo o equilíbrio, caiu em seguida, batendo o corpo, braços, pernas e a cabeça nos grossos galhos.

Caim teve tempo apenas de se afastar, a fim de não ser atingido pela cesta, pelos frutos e pelo próprio irmão.

O corpo de Abel bateu com peso sobre o chão de folhas. Inerte. Desmaiado ou morto. Caim soltou o pequeno javali, se aproximou e chamou pelo irmão.

- Abel, Abel! Acorde!

Pensava que o irmão estava dormindo, pois jamais vira uma pessoa morta. Inutilmente. O irmão nem se mexeu.

Tenho que levar Abel para nossa caverna. Adão ou Eva saberão como acordar. – pensou.

Forte, levantou Abel nos braços e caminhou até a caverna onde dormiam e se reuniam para comer.

Ao ver o filho inerte, Eva começou a gritar e a chorar. Também ela não tinha a mínima ideia de que o filho estava morto. Adão chegou em seguida, agachou-se e passou a mão pela cabeça e peito do filho estirado no chão. Levantou-se num salto e olhou para Caim, os olhos muito abertos, e uma expressão assustada no rosto. Gritou:

— Abel está morto! MORTO!! MORTO!!

Abaixou-se novamente, abraçou o corpo de Abel e o levantou, mantendo-o ereto junto ao seu próprio corpo. E com mais raiva do que o rosto mostrava, gritou para Caim:

— Abel deixou de viver. Está MORTO.!!! E VOCÊ, CAIM, VOCÊ MATOU ABEL!!!!

Caim, surpreso por saber do irmão morto e assustado com a acusação de Adão, tentou contar o que havia acontecido:

— PAI! Eu não fiz isto que o senhor está me acusando. O que aconteceu....

Foi interrompido por um forte murro no rosto, vindo de Adão, que o fez cambalear. E Adão não quis saber de ouvir Caim, tão convicto estava de que a forte antipatia entre os dois irmãos causara a morte de Abel, provocada por Caim. Continuou a gritar:

— MALDITO!

E Cuspiu-lhe no rosto.

—SAIA DA MINHA FRENTE!

Deu-lhe chutes das canelas e no alto da virilha.Caim contorceu-se de dor. E Adão martelando as palavras :

— DESAPAREÇA DAQUÍ!

Eva tentou Intervir:

— Adão, fique quieto. .

Adão não escutou a mulher. E terminou sua série de maldições e invectivas:

— NÃO QUERO VÊR VOCÊ NUNCA MAIS.

* ********

A continuar

*********

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, MG, 15 de Março de 2022

Conto # 1.165 da

Série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/08/2023
Reeditado em 13/08/2023
Código do texto: T7860828
Classificação de conteúdo: seguro