TITIA VAI PARA O CÉU

 

 

Eu tinha uma tia solteira que vivia com meus avós paternos. Quando eles faleceram, ela já não era mais jovem e ficou só. Vivia no interior de Santa Catarina e papai a trouxe para morar com mamãe e ele, pois preocupava-se com a irmã que não tinha mais nenhum parente naquele estado. Eles tinham um outro irmão que morava em São Paulo.

 

Mamãe deu-se bem com a cunhada que a ajudava com o trabalho doméstico. Depois de alguns anos, papai também faleceu e titia continuou morando com minha mãe, então, ambas idosas. Até que tia Nahir adoeceu e meu irmão e eu a levamos para o hospital. Ela sofria de asma e, a esta altura da vida, apareceu-lhe uma insuficiência cardíaca. Assim que melhorou e o médico deu-lhe alta, resolvi levá-la para meu apartamento até seu completo restabelecimento. Depois, ela voltaria a viver com minha mãe.

 

Titia veio em um sábado. Naquela noite não passou bem. Meu marido e eu a ajudamos a fazer uma inalação e fomos todos dormir. O dia estava amanhecendo quando ela chamou por mim, queria água. Eu trouxe, ela tomou e voltou a deitar, apresentando falta de ar. Fui levar o copo na cozinha, preocupada, tentando pensar no que fazer. Quando voltei, vi que tinha piorado e, em poucos minutos ficou imóvel. Eu nunca tinha visto alguém morrer, porém não tive dúvida. Chamei meu marido que verificou a pulsação e colocou um espelho junto à sua boca e seu nariz. Realmente, não respirava.

 

Chamamos meu irmão e ligamos para o médico que atendera titia no hospital. Ele veio imediatamente e constatada a morte, pediu-nos que fôssemos com ele ao hospital onde faria o atestado de óbito e nos orientaria sobre os trâmites para o velório e sepultamento.

 

Ela tinha poucos amigos e nenhum outro parente em Curitiba, de modo que no velório estávamos minha mãe, meu irmão e cunhada e seu filhinho Issamu, meu marido e eu, além de outras três ou quatro pessoas. Issamu tinha três aninhos e como não havia com quem deixá-lo, ficou conosco o tempo todo na capela do cemitério, ou lá fora, no jardim, para onde minha cunhada o levava para distraí-lo. Convenhamos, um velório não é lugar para uma criança dessa idade. Issamu foi ficando indócil e choroso. Tentando acalmá-lo, minha cunhada lhe disse:

 

- Fique quietinho, temos que continuar aqui porque tia Nahir vai para o céu.

 

E ele, visivelmente irritado, sem parar de chorar e falando bem alto:

 

- Eu não quero ver a tia ir para o céu! Eu quero ir para o Shopping!

 

 

 

 

 

Aloysia
Enviado por Aloysia em 05/08/2023
Reeditado em 05/08/2023
Código do texto: T7854259
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