O fugitivo (microconto).
O trôpego claudicando em solo estorricado, fruto de seu flagício — buscava buraco melhor pro suspiro último? Que conto: passou anos correndo, mal parando em cidades, nos primeiros anos, atravessado muitos países; sempre o reconhecimento de ser o infame vil que maculou a própria cidade natal. Pensava: ainda estão atrás de mim? A Justiça, cega, poderia alcançá-lo, tão longe?¹ Com sua face enfaixada, certamente, no meio da correria, deve ter tropeçado e perdeu o rastro. Porém, nunca sossegou: viveu em selvas, pântanos; agora, recorreu ao deserto. O motivo foi menos por rotatividade do que por razão: ele, tanta andança, voação, deu de reconhecimentos: prédios, casas, ruas, milhares. Quando melhor pensou, disse: em casa, novamente? Os cabelos se arrepiaram, quase desfalecia. Daí, tomou rumo desloucado, baratou-se para onde estava o sol, firmando o olhar nele: se o pegassem, pelo menos estaria cego; não veria seu corpo, imaginava, ser invadido pelos flagelos e demais lâminas famintas — o sangue pintando o corpo, mas sendo desperdiçado. Parou num chão areiíço, de frigideira com óleo, derretendo, e o efeito continuava, da visão: tudo claro. Claridade essa, veja, paradoxal: o nosso aporético, mesmo no lampejo, dizia estar na mais profunda escuridão. Tantos anos...
¹: Cabe a mim esclarecer: não digo por mim, mas pelos profundos e superficiais pensamentos do relatado.