Cadê Tereza
Contos-->Cadê Tereza? -- 04/10/2013 - 15:54 (Brazílio)
Morou por algum tempo no Beco dos Canudos, numa época em que as ruas e ruelas já vinham ganhando nomes de próceres da cidade. Mas mesmo com aquela plaquinha azul esmaltada, retangular, de letras brancas em relevo, em cada esquina, quem iria nomes já consagrados na boca do povo por eles trocar? E que Chiquinho Teodoro nos perdoe, mas o que deu do nomeador de ruas ao desprezar o Francisco?
Mas vamos a Tereza, cuja morada é passageira e a rua é pra vida inteira. Ainda que com essa troca de nomes, essa besteira. Tereza era filha da terra, aquela orgulhosa Velha Serrana, terra que deu muito ouro para as derramas e alguma voz para a
Inconfidência. Deu também até morada a um Padre Belchior que fora confessor de Dom Pedro, o Primeiro - e que quiçá viera pagar seus próprios pecados em nossos remotos pagos...
E cadê Tereza: ei-la, parte de grande irmandade, muitas moças e pelo menos um rapaz, todos casados, espalhados, enfilharados e senão abastados, ao menos remediados, como Deus é servido - e seu serviço vai sendo cumprido. Tereza, aparentemente foi a menos aquinhoada entre todos. Mora naquela casinha, como as outras vizinhas, parecidinhas,
só que o marido não a ouve nem lhe dá papo. É o Timóteo, ótimo sapateiro, artista num acabamento, mas surdo-mudo que de Tereza não ouve o lamento.
Tereza chora. A vida lhe imita uma salve-rainha no vale de lágrimas - sem contudo, que a advogada, cujos olhos misericordiosos a nós volve, a Tereza envolva. E o choro de Tereza se segue e se entremeia aos seus gritos, seus momentos de desespero e sua rara lucidez. Não é preciso estar no Beco dos Canudos para ouvi-la, e de mais distância se o faz, e aí sua tristeza lancinante já lhe invadiu a paz e esperança de cura, em insana procura,
Alguns internamentos uns tantos regressos, e a enfermidade a acompanhá-la, nunca quer abandoná-la. Os olhos olham para o vazio, o pescoço engrossado, tiroidal parece ainda fazer ressoar com mais vigor aquele lamento, a agonia.
Um incerto dia, nada obstante, com Tereza à janela, pude testemunhar um raro momento de lucidez assomar-se a ela, quando, olhando para o vazio na rua quase despovoada, viu despontar um Geraldo Monteiro, mascate joalheiro, quase costumeiro, de ar sedutor, bigodes lustrosos de um Don Juan, que volta e meia visitava a cidade com suas reluzentes bugingangas. Da janela, Tereza se transfigurou, compôs-se, passou a mão pelos cabelos, sob a blusa se ajeitou e se sentindo cobiçada mulher, exclamou, e não exclamação qualquer: Meu Deus, vem ali o Geraldo Monteiro!