Porca e parafuso
Sábado vê a namorada no Arraial, pernoita por lá e domingo, depois do almoço, pega o fusca "véio de guerra" e encara a BR. Estrada movimentada nos dois sentidos, o motorista e Deus, o pneu traseiro, lado esquerdo, fura. Desajeitado, inexperiente no tema, o motorista junta porca e parafuso, vai no ensaio e erro, troca o pneu e volta a dirigir. Alguns poucos quilômetros depois, nota que algo está errado, o carro roda, mas trança as pernas, muito estranho. Dá uma olhadinha pro meio do asfalto, lá vai um pneu rolando, irresponsavelmente pela contramão, cruza a rodovia e despenca do outro lado.
Opa, era engraçado até saber, depois de alguns segundos na curva, que a roda fujona era do seu fusca. De repente, tem só três rodas e não dá pra continuar a viagem. Estaciona perigosamente na beira da rodovia, só pensa em rezar. Lá vem armando uma chuvona vinda do Oeste, já deve estar chovendo canivete no Triângulo Mineiro. Tudo escurece, a noite vai chegar mais cedo. E agora? Santa Barba, São Jeromo!
As preces do motorista inexperiente foram ouvidas, Lá vem uma kombi, placa de Serranópolis, cidade ali por perto. Faz sinal, a kombi para, o trapalhão vê que são pescadores de volta do São Francisco, estão prontos pra tudo, inclusive ajudá-lo. Para isso, até encaram o chuvão que cai de uma vez. Dá-lhe pinga!
Os camaradas entram no mato cheio de coqueiros e espinhos, do outro lado da rodovia. Virou festa. A pinga desceu com gosto, bem na hora: começava a fazer frio. Uma parada, uma rodada no gargalo. Outra parada para instruções, outra rodada. Em breve, arranhados, encharcados e felizes, encontram a roda travessa no meio do coqueiral, o pior já passou. Daí, um dos pescadores, meia idade, cara de vereador, convida o desastrado mecânico para pernoitar em Serranópolis.
- Te conheço, você é do Pilar, não é? Fui companheiro de serenata do seu pai, gente fina. Vamos continuar a festa lá na nossa cidade. A gente frita o peixe, faz arroz, pinga não falta, cerveja acabou, mas a gente compra mais. Cê dorme na minha casa. Tá bom assim? Estava... naquele momento.
No dia seguinte, amanhece com gosto de cabo de guarda-chuva na boca e, na memória, frase de bebum seu conhecido: "se a pinga tiver vergonha, nunca mais vai entrar na minha boca".