Espantalho (microconto).
Estava diante da porta, dentro de um aquário de ansiedade. Estava com a pedra na mão, podia estilhaçar o peso. Imagine: você passa décadas preso e, de repente, se vê frente à liberdade. É compreensível. Encarava a porta de madeira, rústica, com alguns focos de bolor, empoeirada e com algumas teias. Uma simples portinha. Dava para ver, pelas frestrinhas, algum raiozinho, coisinha de fora. Era uma alegria, seu corpo reagiu: um fervor. Até um sorriso sentia. Pôs a mão na tábua áspera que a trancava; até demorou. Tateava a coisa, como objeto de extrema importância. Fechou os olhos e, enfim, abriu a porta. Um forte vento lhe tocou, como se esperasse por isso. Andou, observando tudo, toda aquela claridade do Sol, todo o azul do céu e suas belas nuvens claríssimas. Se afastava da casa, sequer olhava para atrás. Sentia o cultivo em sua pele, em suas pernas. Parou no meio do verde e ouvir um metálico e velho gruá. Corvos, negros, vívidos, brilhantes. Pousaram no rastro de sangue. Abriu os braços: então é assim o espantalho?