DEVO... NÃO NEGO !

DEVO... NÃO NEGO !

(Foi um "festival" de imagens confusas se misturando, com Carnaval pelo meio e uma "disputa" num templo evangélico, para ver quem "sujava mais" o local, apenas para impor "sua Religião", ambas iguais em tudo, principalmente nas sandices. Falo de mais uma noite de SONHOS, vários deles... "sobrou" esse, com Dalton Vigh de cobrador insistente e a divina Fernanda Montenegro de devedora empedernida, que não pretende pagar, se conseguir fazê-lo. Neste caso, digo, neste sonho sou apenas espectador fantasma. Um conto de um "catador de lixo" pode ter algum valor... julgue você, leitor, leitora !)

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O cobrador aciona a campainha, porta grande com relevos, madeira de lei de primeira linha, pelo tipo de hall parecia apartamento e não casa. Insiste, ainda não são 7 horas. Abrem a porta devagar, só uma fresta... ela "se fecha", o rapaz forçando do lado externo, com algum cuidado, não quer perder a cliente. Abre-se finalmente por completo e surge a madame de "babydoll" dourado de seda pura, no caso dela é "peignoir" (lê-se pein-nho-ar), pois trata-se de senhora muito idosa e muito chique, além de quase nobre. Há um sofá cor de vinho ou marrom ao lado da porta, encostado à parede, onde estão sentadas duas das filhas (se é que teria outras) da "vecchia signora", se italiana fosse. Não... era francesa, francesíssima, embora nascida no Brasil e "vivendo nele", coisa que nem ela sabia, porque raramente saía de casa. Entre elas, só falavam Francês !

-- "Ahhh, o senhor aqui... de novo ! Quem poderia ser ? E nem são 6 horas ainda" !

-- "Desculpe, madame, eu ía passando... é o problema com os móveis ! E já são quase 7 e 20, senhora, mas não imaginei que a "vovó" estaria acordada" !

-- "Velhos não dormem, mocinho... eu muito menos ! Já o senhor parece "dormir" na minha porta. Que rapaz impertinente" !

-- "Apenas insistente, senhora, o patrão quer receber" !

-- "IM-PER-TI-NEN-TE... audacioso e inconveniente ! Eu devia ter jogado meus móveis na rua, como vocês brasileiros fazem, emporcalhando a cidade inteira ! Tinha data, PRAZO, para pagar o conserto deles ?! NÃO TINHA ! E agora o senhor não sai da minha porta ! Foram 5 vezes, na semana passada... isto é um pesadelo" ! Daqui a pouco vou vê-lo casado com filha minha... é só o que me falta !

-- "Deus me liv... (era meio "delicado" ou, por outra, as duas cinquentonas nem eram tão atraentes)... foram só 3 vezes e a firma precisa desse dinheiro" !

-- "Pago uma parte hoje, agora, uma parte... nem ouse recusar, meu filho, o restante pagarei quando EU QUISER ! Aliás, entre, vamos tomar café... já o tenho como da família, você não sai da minha porta, pour Dieu" !

-- "Não, não, muito obrigado... tomei café antes de vir para cá" !

-- "Oui, oui, ou entra OU NÃO RECEBE... comprendez-vous" ?!

Mesmo sendo em Francês ele compreendeu... entrou como numa Catedral, com a mesma sensação de santidade em tudo, um lugar sagrado. Tapetes no chão e nas paredes, castiçais, livros e vasos aos montes, parecia loja de decoração. Quadros enormes o fitavam, com seus olhos parados no tempo. Sentiu um arrepio... só a sala tinha o tamanho de sua casa inteira. Na cozinha mesa imensa, ainda não vira nada igual, as "balzaqueanas" de olho no figurão. A mãe apontou-lhe cadeira chique, de rei, sentou receoso, sobre a toalha de fino linho havia faca, colher, colherzinha, colherita... "o que fazia ali um garfo ?", se indagou apavorado. Pensou em surrupiar uma delas, era prata de lei, "valia uma ponta, 1 nota, um cacau" ! A madame "leu seus pensamentos". Ajustou seus óculos, examinando-o. Ela percebera sua intenção... sem graça, ele comentou:

-- "Bela casa, hein, madame ?! Parece um castelo" !, repondo a colherzinha na mesa, sobre o guardanapo e '"alisando-a".

-- "Na mesa apenas se come, senhor... senhor..."

-- "DALVINO... sou de Nova Iguaçu, mas moro "aqui no Rio" desde jovem" !

Ela notara certos "trejeitos" no rapaz, um "desperdício"... para as filhas pouco importava, "comiam" o cobrador com os olhos, afinal lhes bastava um homem pra chamar de seu, "qualquer coisa" com calça, camisa e gravata. Sem gravata, nem pensar ! Para aquele "espécime" bípede (meio quadrúpede) faltava uma... aliás, faltava-lhe quase tudo.

Pegaram ambas microrodela de torrada (do tamanho de uma moeda ou dedão), passaram manteiga nela e comeram, facas apontadas para ele, como lanças... lamberam o lábio superior de forma bem sugestiva, quase ao mesmo tempo. O jovem engoliu "em seco", a "coisa ía mal", nem sonhava em namorar, quanto mais em CASAR. E com duas, muito menos ! A mãe, oitentona enxuta, se divertia com a cena. Comentou, pensativa:

-- "Huummm, "d'al vino"... vejamos se este VINHO presta" !

-- "O que o senhor faz na vida, além de me IMPORTUNAR, meu rapaz" ?

Tossiu, se engasgou sem ter comido nada, ainda:

-- "Estudo Eletrônica, senhora, de noite, quero ser técnico, é profissão de futuro" !

-- "Ora, ora... CASAR também dá futuro, às vezes, e eu preciso de alguém para cuidar desta casa, não tenho muito tempo por estes lados. Minhas meninas parecem ter gostado muuuiiito do senhor"!

O rapaz estacou, paralisado, a boca aberta, o pão no ar, como essas "estátuas vivas" que se vê em shoppings. Diria-se que enfartara ! As donzelas assustaram-se... madame deu leve sorriso de tristeza. Pronto, a desgraça estava feita, aquele NÃO VOLTARIA... nem para receber a dívida, a parte que faltava. Ela a protelava exatamente para poder abordar os incautos que lhe prestavam algum tipo de serviço. Demorou uma eternidade para o jovem se recompor:

-- "Bem, madame, preciso ir, meu patrão me aguarda... obrigado pelo café, estava uma delícia" ! (Na verdade, nem tomara !)

Inconformadas com o Destino viram as três o rapaz quase "voar porta a fora", deixando-a aberta, ao sair.

"Mais um fracasso", concluiu madame Heloyse de Bordeaux y Champagne... "preciso arrumar outro pretendente. Me parece que um técnico em eletrônica cairia bem". Mulher tradicional, de família secular, não ligava para rádios, TVs, celulares, essas coisas. Lhe bastavam seus velhos livros e as recordações de juventude.

-- "Meninas, vou comprar uma televisão, vocês precisam se divertir... vamos para o shopping" !

Restava-lhe saber como se estraga (?!) uma "porcaria" daquelas e onde encontrar depois um técnico, mais MACHO do que o estofador. Oh, Vida difícil essa, não se acha técnico em qualquer lugar, os produtos agora são descartáveis, não são consertados, são jogados no lixo !

"NATO" AZEVEDO (em 27/abril de 2023, 5hs)