Crônica de um fugitivo desertor

À tarde avistara uns caçadores, todos fardados, levando alguns cães; precisaria de barro, despistar o cheiro. Virar mata, árvore, terra, até bicho. Quanto tempo assim? Talvez já tenha se tornado um pouco onça, serpente, coruja; metamorfoseava tal fosse a necessidade. Agora a hora era ser silêncio, invisível. Quem sabe as folhas que fazem o teto da selva...

Quando escurecesse seria mais fácil: veria as lanternas de longe, as fogueiras. Luz pouco necessitava, se adaptava fácil às trevas da noite, acostumou-se a dormir em grotas, cavernas - dessa vez especulava se seria melhor no alto de uma árvore, castanheira ou peroba. Vá lá saber quanto tempo aqueles ficariam.

Não tinha mais noção de calendário, difícil dizer há quanto tempo residia na floresta. Se mudou para ela devido a uns "problemas" da antiga vivência. É uma pessoa que não se dá bem com a civilização. Ela sufoca, força. Os anormais a ela tentam resistir ao máximo, até se revestem de um outro indivíduo, e vivem essa vida com as infelicidades interiores, tendo as feridas violadas diariamente. Há, porém, aqueles que não se adaptam - são a esses que ela mostra as garras, mais tem sede de rasgar. É fatal. Quando não consegue matar, recebe um golpe duro.

Viva as cigarras e as corujas, a orquestra! Latem os pastores-alemães, para depois vir o som sôfrego do choro. Tiros e ódio. Tudo vê na ponta da lança, fincada no chão há tantos anos. O espetáculo de sangue e os agentes desesperados com o felino raivoso faz ter impressão de que, apesar de tudo, a mudança serviu: de fato, a justiça dali lhe apetecia mais.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 24/03/2023
Reeditado em 24/03/2023
Código do texto: T7747866
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