DONA HELENA...

DONA HELENA...

Caminhava eu pelos imensos corredores do supershopping, meio sem graça com aquele luxo todo... de repente, sinto a perna da calça sendo puxada. Levo um susto !

-- "Hei, moço, cadê a Roberta" ?, me diz voz infantil, 50 cm de graça angelical, cabelos cacheados cor de ouro velho e olhos do azul mais azul que já vira. Peguei-a no colo, ressabiado, achei que fosse chorar.

-- "Quem é a sua mâe, menina" ?

-- "Dona Helena, dona Helena" !

-- "Huumm, e onde está a dona Helena" ?

-- "Na minha casa, claro" !, respondeu meio sorrindo.

-- "Ah, bom... e onde é a sua casa, querida" ?!

-- "Na casa dela, ora" !, já meio irritada, com a palavra "IMBECIL" na ponta da língua, 2 anos e meio de petulância.

Resolvi procurar a Gerência do shopping, este em Botafogo... sim, uma jovem estivera ali pouco antes, à procura da criança mas foi embora. Morava na Praia Vermelha, me ofereci para levar a garotinha perdida até o minúsculo bairro, de casas antigas e alguns poucos prédios de militares.

A tal Praça Vermelha compõe-se de larga avenida, dupla, com bela praça no final e uma prainha mixuruca com uns 200 metros de areia. Pra quem não conhece o Rio, é de onde sai o Bondinho que "escala" o Morro "Cara de Cão", mais conhecido como Pão de Açúcar. (*1) Pois bem, como ía de carro, chegaria antes da jovem responsável, que certamente aguardaria um ônibus. Percorria devagar a avenida, com a meninota já reconhecendo o casario. Apontou belo sobrado no estilo antigo, bem tradicional:

-- "É lá, lá... dona Helena, dona Helena" !

Estacionei o veículo e nem precisou bater palmas... senhora de uns 40 anos, ar de executiva, de terninho de secretária ou coisa parecida, saiu esbaforida:

-- "Ah, meu Deus... então foi você que raptou minha sobrinha" ?

-- "'Pera lá, senhora, não roubei coisa nenhuma... a criança estava perdida lá no Shopping RIO SUL" !, enquanto a meninota gritava "dona Helena", agitando os bracinhos, ainda no meu colo.

-- "Roberta, Roberta... venha já pra cá" !

A jovenzinha sai detrás da porta, só a cabeça de cabelos bem cuidados e as mãos, unhas pintadas, "nos trinques".

-- "Que história é essa ? Você não disse que levaram ela daqui da porta de casa" ?

-- "Pois é, vai ver êle se arrependeu e trouxe ela de volta" !

-- "Roberta, não me irrite... diga logo a verdade" !

-- "Só saí um instantinho, pra comprar esmalte novo ! Essa "peste" sumiu lá na loja, ninguém achou ela" !

-- "Santo Deus, como posso trabalhar sossegada, sem poder confiar em ti 1 minuto sequer" ?!

A babá leva a criança para dentro e fecha a porta da casa.

-- "Ah, então a senhora é a mãe da menina" !

-- "Não, não, sou a tia, Helena... minha irmã faleceu do parto da Angelita e a dor dessa perda me vem à mente a cada instante, sempre que vejo a criança. Ela não sabe que sou a tia, apenas que não tem mãe" !

Coincidências da Vida... minha namorada não queria filhos, não nos primeiros anos de casamento e acordáramos que seria melhor adotar. Vi ali a chance de ter Angelita em nosso lar... conversei reservadamente com a tia. Nenhuma objeção da parte dela e, como morávamos ambos no mesmo bairro, a garotinha estaria sempre "a um passo" da antiga casa. Por não ser criança abandonada e já ter um lar fixo, o Juizado de Menores "atrapalhou" como pôde os trâmites legais, mas a persistência do jovem casal venceu a tola bur(r)ocracia... Angelita vive agora num paraíso, com quarto só seu e MÃE pra chamar de sua. Fim da história !

"NATO" AZEVEDO (em 27/fev. 2023, 7,3ohs)

OBS: para o leitor que não me acompanha, informo que é MAIS 1 SONHO que se tornou conto... vou fazer o quê ? Reclamar ?! (*1) O leitor RAI CÂNDIDO me informa que os Morros Cara de Cão e Pão de Açúcar não são a mesma coisa !