Encolhimento

Pode o ser humano dividir-se, perder um pedaço de si, e seguir sendo ele mesmo? Não faço essa pergunta de forma retórica; desejo mesmo uma resposta. Preciso dela, na verdade. Nos últimos dias, estou desaparecendo. Ainda tenho dois braços, duas pernas, tronco, cabeça, orelhas e, imagino eu, os órgãos internos, os quais parecem continuar funcionando normalmente. Meu corpo também não está ficando transparente. O meu desaparecimento é mais sutil e, diriam muitos (embora eu não concorde), natural.

Explico. Desde que nasci, sempre fui me expandindo, crescendo, fazendo surgir a cada dia um pouco mais de mim. Sinal de saúde, minha avó sempre dizia. Agora, repentinamente, percebi que estou mais magro. Esse é um mal que acomete muita gente, e a maioria até mesmo o bendiz, como se fosse algo desejável. Eu, contudo, olho para a balança e penso: onde é que estão aqueles dois quilos que estavam aqui semana passada? Ou aqueles cinco quilos que também eram eu um mês atrás?

Se eu aceitar a tese simplista de que o que perdi foi apenas gordura, significa que tal gordura era menos eu? Que pedaços do que sou eu hoje podem não ser mais eu amanhã? Minha mão não é eu? Minha perna não é eu? Meu fígado? Meu coração? O sangue que corre em minhas veias? Existirá um eu mais essencial que o outro?

Mamãe me aconselhou arroz e feijão, mas olho para o prato e não sou eu ali – como iriam eles, então, ajudarem-me a me reconstruir? Mesmo um bife apetitoso, no ponto, não sou eu, é o boi (ou foi o boi, mas não mais é, da mesma forma que minha gordura sumida não sou mais eu).

Todos dão palpites, ao menos aqueles que não riem, e uma colega disse para eu procurar terapia. Como se falar de mim ajudasse a reencontrar meus pedaços perdidos. Estou disposto a tentar, porém. Só não quero é ver-me, mais dia, menos dia, reduzido a apenas metade de mim.

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Maristela Scheuer Deves
Enviado por Maristela Scheuer Deves em 29/12/2022
Reeditado em 30/12/2022
Código do texto: T7682587
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