Ele Voltou no Nevoeiro
O insólito sempre esteve presente no serviço das armas, mesmo os mais descrentes não ousam desabonar as histórias da caserna sobre os fenômenos inexplicáveis. Todos que passaram pelos mais diversos quartéis, navios, e outras habitações militares sabem narrar pelo menos um fato, do oceano de acontecimentos que povoam o imaginário de nossos bravos sentinelas.
Era uma madrugada fria do mês de julho, o soldado estava em seu posto lutando contra o sono, o mais cruel dos inimigos. Uma névoa vinda da Floresta da Tijuca pairava sobre o batalhão, no horizonte uma sombra se aproximava. Quando o soldado se deu conta, ele apareceu do seu lado com uma voz suave:
- Boa noite combatente!
- Boa noite Sargento! Eu ia realizar a abordagem, mas o Sr. Apareceu do nada. Não deu tempo de falar, acho que é o sono, queira me perdoar.
- Sim claro, não tem problemas! Olha, ali tem uma torneira, você pode molhar o rosto quando sentir sono, isso ajuda a ficar acordado. Agora me fale o seu número, por favor.
O soldado informou seu nome e número como de costume e o sargento lhe desejou “bom serviço” e novamente sumiu em meio ao nevoeiro. Mais uma vez o militar sentiu sono, foi até a torneira e molhou o rosto. Dessa vez estava mais desperto e disposto, tanto, que conseguiu abordar como manda o regulamento outro militar que se aproximava.
- Alto lá! Identifique-se!
- Segundo SGT Thor, adjunto ao Oficial de Dia!
- Aproxime-se para melhor identificação! Avance a senha!
- Papagaio mudo! – Sussurrou o adjunto.
- Contra-senha: vento na antena! Sussurrou de volta a sentinela.
Após a execução correta dos procedimentos o adjunto se aproximou e parabenizou o combatente. O militar informou que havia recebido algumas orientações do SGT Smith que há pouco passara por lá. O adjunto fez uma cara de espanto e perguntou:
- Quem?
- O SGT Smith, Senhor! Ele foi muito atencioso e me orientou muito bem!
- Você tem certeza que foi esse Sargento?
- Sim, tenho! Embora eu nunca o tenha visto por aqui, mas me pareceu ser tranquilão.
- Tudo bem, o seu quarto de hora já está quase terminando, quando a rendição chegar, se apresente para mim lá na guarda. Não é nada demais, apenas quero te mostrar algumas fotos do SGT Smith.
- Ah, sim Senhor!
O adjunto bateu a mão como quem deseja “bom serviço” e saiu em meio ao nevoeiro, só que dessa vez o soldado conseguiu vê-lo dobrar a esquina da garagem de viaturas, mesmo a uma distância considerável. Achou estranho, mas não teve tempo de pensar nisso, pois a essa altura o cabo da guarda já se aproximava com a rendição.
Ao chegar à guarda do quartel o adjunto já o esperava com um livro de fotos em suas mãos, uma espécie de “carômetro,” e o chamou:
- Combatente venha cá! Veja se reconhece o SGT que passou no teu posto.
- É este aqui Senhor!
- Tem certeza?
- Sim Senhor, é o SGT Smith!
O adjunto sem falar mais nada folheou o livro e chegou a uma página chocante, nela, o SGT Smith aparecia sem vida, morto com um tiro fatal disparado por marginais em uma operação de Garantia da Lei e da Ordem há mais de dez anos. O soldado foi perdendo a cor e foi apoiado pelo cabo que se encontrava logo atrás, foi lhe dado um copo d’água e não se tocou mais no assunto para não deixá-lo preocupado, quando o dia raiou, ele foi levado até a capela onde foi atendido pelo capelão que o ajudou a encontrar a calma diante daquela situação inusitada. O tempo passou e aquele relato ficou apenas na oralidade, fatos assim não ganham destaque, não são anotados no livro da guarda e nem do Oficial de Dia, eles vão sendo narrados de modo informal, quase que na modalidade “acredite se quiser.” Mas de uma coisa todos sabem, nem o mais cético dos militares, seja praça ou oficial, ninguém ousa desrespeitar tais histórias que fazem parte, desde sempre, da cultura militar, pois, em algum momento da carreira todos precisam andar sozinhos pelo quartel.