Revelação - BVIW
Anacrônica. Um dos adjetivos que podia-se usar para falar dela. O cabelo, usava-o preso num coque no alto da cabeça. Saias e blusas pareciam ter saído de um filme de época. O único sinal de modernidade era o par de tênis. Adotara-os depois de machucar o pé ao atravessar a rua de pedras irregulares daquele lugar. Na cidade pequena onde se alinhavam casa iguais e praças se espalhavam pelos bairros, ela era mistério. Mas também motivo de deboches e olhares enviezados. Sozinha no mundo. A família inteira morrera num acidente. Ela escapara apenas por estar doente, e ter ficado na casa da vizinha no dia da viagem. A dor fora tanta, que se isolara na casa antiga, rejeitando todos os gestos de afeto e amizade feitos na sua direção. Trabalhava na secretaria da escola, com bastante competência. Mas não participava das conversas ou das festas. Não tinha amigos nem amores. Ninguém jamais era convidado para sua casa e ela não entrava na casa de ninguém. Quando os papéis da aposentadoria ficaram prontos, deixou a escola indiferente ao fato de não mais voltar. Quem passasse pela sua casa, veria a deterioração das janelas e portas e telhados. O único sinal de vida era a luz da varanda, que se acendia ao escurecer e apagava-se aos primeiros sinais da manhã. Meses se passaram e tornaram-se anos. Ninguém mais viu a dona daquela casa sair para um passeio, uma ida à farmácia ou ao mercado. Até que um grupo de moradores decidiu que deveriam entrar. Primeiro, bateram palmas. Chamaram a mulher pelo nome. E ao não obter resposta, giraram a maçaneta __estava aberta. À medida que adentravam os cômodos, só encontraram silêncio e vazio. Nenhuma cadeira. Nenhum tapete. Nenhum quadro na parede. Vazio. Silêncio. Em cada rosto, uma expressão de espanto. Deram-se conta de que pouco a pouco anoitecia. E foi então que a luz da varanda se acendeu.