O paradoxo do novo Super-Homem - relato de um idealista

Schopenhauer propôs a superação do desejo como meio para a conquista do equilíbrio. Por outro lado, Nietzsche explora e sugere a potencialização da vontade como expressão pura da vida, posições opostas, mas que tendem a um único fim: a supressão de um controle opressor. Para Schopenhauer, os ímpetos, para Nietzsche, a moral, sobretudo cristã.

          O Super-Homem de Nietzsche nasce do conflito, de um choque entre pressão e vontade de potência, aquele que dá vida aos próprios valores, que transpõe o intrépido “Não-Farás”, em sua forma pura e de maior periculosidade. O que em face dos olhos ardentes da morte encara a vida e brada veementemente das profundezas do âmago: “Foi isso? Muito bem! Mais uma vez!”. Este é, por excelência, o verdadeiro Übermensch.

          Tal como o equilíbrio pleno schopenhaueriano, o Homem-Superior exige um esforço transcendente, que supere as mais sólidas barreiras, os mais profundos abismos e as mais altas montanhas, visando se libertar das duras e pesadas correntes metafísicas, e transformar-se em leão, aquele que é potente na reivindicação do direito de criar. A fera, por sua vez, um dia será uma criança, arquiteta e soberana das “Novas Tábuas”.

          Contudo, cada dia mais, com as forças de um impulso indômito, as garras de um idealismo arrastam-me terrivelmente, o peso do sofrimento animal corrompe as esperanças de um antigo imperador, rumo a um poço profundíssimo e fatal, com paredes lisíssimas, de onde, nem com toda a sorte de bens materiais ou sob energias divinas, escapa-se ileso. Na ocasião, a fé repousa em um futuro fúlgido, cientificista, que dê lugar à singularíssima união entre Homem e máquina, onde as contínuas investigações a respeito da natureza dos sentidos permitiriam fundir o desfrute da contemplação de um universo caótico, a admiração da chama da existência, o gozo da sabedoria e o equilíbrio interior, com uma robustez e tenacidade metálicas, próprias de maquinários engenhosos, mecânicos e manipuláveis, onde se pode extinguir com facilidade qualquer inexatidão, qualquer desvio. Eis o novo Super-Homem.

          Aqui, nesta condição, quase, senão completamente, patológica (de acordo com alguns), a inexatidão danosa habita, precisamente, no cataclismo humano: em sua miséria, em seu desgosto, na aflição e no desespero, em suas necessidades e no seu desejo irrefreável, em suma, no absurdo da realidade. E após mergulhado nesse antro malévolo, somente agarrando-se a métodos insólitos torna-se possível alcançar um estado de razoável homeostase, de satisfatória ataraxia, pois coíbem artificialmente a sordidez da existência, ainda que seja necessário abandonar nossas tão estimadas raízes.

          Tais concepções nos trazem de volta à principal implicação desse raciocínio: o idealismo, que possivelmente levaria Nietzsche e outros amantes do destino a argumentar: o que seria da vida, do prazer e da beleza, sem o espinho venenoso que contamina, e que sob derrota floresce alegremente os maiores encantos? Daí o paradoxo: um mar de rosas jamais poderá ser concebido em sua graça sem a antípoda de um mar de sangue.