Gato malhado

- Dona Francesca?

Francesca Holland olhou de cima a baixo o garoto que havia tocado a campainha, pouco depois da hora do chá. Era ruivo, sardento, e vestia uma camiseta com estampa de super-herói e shorts de educação física. Nos braços, um gato listrado, parecendo vira-lata.

- Olá Timmy - respondeu a mulher. - O que veio me trazer?

- Encontrei o seu gato - afirmou o garoto com orgulho. - Estava num beco, cerca de quatro quarteirões de distância daqui.

Francesca ergueu os sobrolhos.

- Este não é o meu gato - declarou. - O meu é preto.

- Mas... eu vi os cartazes nos postes - redarguiu Timmy confuso.

- Quais cartazes? - Questionou Francesca, mãos nas cadeiras.

- Os que dizem que a senhora perdeu o gato e estava pagando uma recompensa para quem o trouxesse de volta - afirmou prontamente Timmy.

Francesca balançou negativamente a cabeça.

- Deve ter sido uma bricadeira... e de péssimo gosto aliás.

De súbito, um brilho de compreensão passou pelos olhos dela.

- Ah, acho que sei o que está acontecendo. Espere um minuto aí, Timmy.

A porta se fechou, e quando foi reaberta, Francesca trazia uma caixa de transporte para animais de estimação.

- Não é o meu gato, mas acho que posso ficar com ele até que alguém da Zoonoses venha buscá-lo - disse em tom cordial.

Nos braços de Timmy, o gato malhado remexeu-se, aparentemente incomodado.

- O que a Zoonoses faz com os gatos, Dona Francesca? - Indagou Timmy, preocupado.

- Se for um gato sem dono, acho que colocam para dormir - replicou Francesca, muito séria. - Para sempre.

Ao ouvir estas palavras, o gato deu um pulo dos braços do garoto e saiu correndo pela rua. Timmy fez menção de ir atrás, mas Francesca o segurou pelo ombro.

- Não vale a pena - declarou. - Esse não vai mais voltar.

Diante da expressão decepcionada do garoto, puxou uma nota de dez do bolso da saia e a estendeu para ele:

- Que tal arrancar esses cartazes falsos dos postes da vizinhança? Se me trouxer pelo menos uns cinco, te dou mais dez.

Não foi preciso repetir a oferta. Timmy saiu em disparada, feliz da vida.

Francesca esperou que ele desaparecesse na esquina e fechou a porta; à espera dela, sentado no meio da sala ensombrecida, um gato preto a olhava fixamente com seus olhos redondos.

- Você não vai acreditar quem o Conselho mandou agora atrás de mim - disse Francesca, com um sorriso zombeteiro.

O gato inclinou a cabeça para um lado, e deu um miado solene como resposta.

- [08-09-2022]