Daemon
Amelia-Rose ligou para Myles, pedindo ajuda.
- Minha avó finalmente comprou um computador, Myles.
- Antes tarde do que nunca! Mas qual é o problema?
- Eu não disse que havia um problema, disse?
- Você não ia me ligar só pra falar da sua avó, não é? - Ironizou ele.
- Bom... já que perguntou, ela não está conseguindo conectar com a internet. Será que você...
- Podia dar uma olhadinha? - Complementou Myles. - Posso, mas o que eu ganho com isso?
- Quer sair na sexta à noite? - Indagou Amelia-Rose sem maiores rodeios.
- Nem conheço ainda, mas adoro a sua avó! - Entusiasmou-se o rapaz. - Diga que prepare o chá que estou a caminho...
- Myles...
- O que foi?
- Só pra você não ser pego desprevenido: o computador que vovó comprou é bem velho... deve ter mais ou menos a nossa idade.
- Você quer dizer... daqueles com monitor de tubo? - Espantou-se Myles.
- Desses mesmos.
- Mas por que um troço tão antigo?
- Vovó achou que seria mais fácil de aprender... - suspirou Amelia-Rose.
* * *
- Dona Francesca?
Myles bateu na porta da casa da avó de Amelia-Rose, e uma voz gritou lá de dentro:
- Entre, Myles! A porta está encostada!
Myles empurrou a porta, surpreso pelo fato de não ter declinado o nome e mesmo assim ter sido identificado. Será que a velha tinha uma câmera de vigilância na entrada?
- Estou no quarto dos fundos! - A voz soou mais alto e Myles seguiu na direção dela, pelo corredor de tábuas corridas .
Ao chegar à porta do quarto, que dava para o quintal ensolarado da casa e cuja janela estava aberta, deparou-se com uma cena inusitada: Francesca Holland, uma senhora de longos cabelos grisalhos caindo sobre o vestido azul, flutuava no ar sobre um coxim adamascado diante de um velho PC 486, monitor VGA colorido, o qual também flutuava no ar, incluindo o mouse, que um gato preto tentava sem sucesso abocanhar. Desenhado no chão com giz branco, um círculo com símbolos esotéricos envolvia a velha, o gato e o computador. Myles, parou, boquiaberto.
- Quando Amelia-Rose disse que a senhora precisava de um computador para guardar suas receitas, não imaginei que fossem... desse tipo - declarou finalmente o rapaz.
- Finalmente, vou aderir à tecnologia - redarguiu Francesca Holland bem-humorada. - Mas preciso entrar nessa tal internet... pode me ajudar?
- Dona Francesca, esse computador talvez seja um pouquinho antigo demais pra esse trabalho - admitiu Myles.
- Não há nada que um pouco de magia não possa resolver - disse Francesca. - Venha pra cá, me mostre como essa coisa deveria funcionar... só não pise no círculo de proteção!
Cautelosamente, Myles passou sobre o círculo e posicionou-se ao lado de Francesca, em frente ao teclado flutuante. Digitou alguns comandos na tela e balançou a cabeça.
- Ah, esse PC precisa de um cabo de rede para conectar com a internet... os de hoje em dia podem usar Wi-Fi.
- O que faz esse Wi-Fi? - Indagou Francesca.
- Permite conectar com a internet pelo ar, sem cabos - explicou Myles.
- Posso usar um daemon para fazer isso - ponderou Francesca, mão no queixo.
- Um programa? - Questionou Myles.
- Não, um daemon de verdade - replicou Francesca. E estalou os dedos.
Segundos depois, o ícone de conexão com a internet surgiu na barra de tarefas do sistema operacional.
- A senhora bem que podia me ensinar uns truques... - aprovou Myles.
- Vamos fazer uma troca de conhecimentos! - Divertiu-se Francesca Holland, dando-lhe uma palmada amistosa no ombro.
- [23-08-2022]