O condutor
- É a primeira vez que me pagam para levar muamba para o outro lado da fronteira - comentou Enrique Mastache, quando lhe entregaram a chave da caminhonete, com uma carga coberta por um encerado na caçamba.
- Você vai dirigir até o entroncamento para San Aparicio, - disse Cadaval, o contato do contratante que preferira manter-se anônimo - e lá vai deixar a caminhonete com outro motorista. Vai se hospedar no motel Las Cruces por uma noite, e aguardar até a manhã seguinte, quando a caminhonete estará de volta. Você então a trará até aqui, pela rota costumeira do deserto.
Cadaval havia pago 5.000 dólares adiantado, com a promessa de outros 5.000 no retorno. Era muito mais do que Mastache faturava por viagem como coiote, e esperava que outras entregas como aquela se sucedessem.
- Se a entrega não atrasar, o patrão vai lembrar de você - prometeu Cadaval.
E assim Mastache partira pelo deserto à noite, rumo à fronteira. Havia ali uma rede de estradas de terra com vigilância frouxa, fosse pela falta de efetivo das forças de segurança, fosse pelo suborno distribuído por traficantes.
Quando ele chegou ao ponto de encontro, no entardecer do dia seguinte, o motorista que o iria render já estava à espera, sentado numa mureta junto a um posto de gasolina.
- Você é Mastache - declarou, mais do que indagou.
- E você é... ?
- Outro motorista de Cadaval - replicou o sujeito. - Me dê a chave, tenho muito chão pra rodar.
Mastache ficou observando-o enquanto ele assumia a direção e partia no rumo geral de San Aparicio. Depois, foi até o motel onde pediu um quarto para passar a noite.
* * *
Na manhã seguinte, foi despertado por um telefonema do substituto.
- Mastache? Voltei, hora de seguir caminho.
- Não posso nem ao menos tomar um café? - Questionou Mastache.
- Compre um café e vá bebendo enquanto dirige - retrucou o homem. - O cliente quer a mercadoria de volta até a noite.
Mastache não deu muita importância à frase final até ver-se diante da caminhonete. A carga, fosse lá qual fosse, não parecia haver sido mexida e continuava coberta pela mesma lona. Pegou a chave do veículo, e sem se despedir, pegou o caminho para a fronteira.
Ao meio-dia, depois de parar para almoçar, resolveu dar uma olhadinha sob a lona para ver do que afinal se tratava a carga. Para sua surpresa, era algum tipo de máquina, escura e cheia de tubos; lembrava um implemento agrícola.
- O que isso faz? - Questionou-se, sem atinar com a resposta.
Foi somente quando parou novamente para reabastecer, a menos de 200 km do destino final, que atentou para o noticiário exibido numa TV da lanchonete do posto. Ali falavam do incidente da noite anterior em Villa Fraga, distrito de San Aparicio: sem qualquer motivo aparente, toda a população da localidade, cerca de 3.000 pessoas, havia morrido durante o sono. As autoridades sanitárias ainda não tinham qualquer explicação para o fenômeno.
Mastache pensou na estranha carga na caçamba da caminhonete e depois desviou seus pensamentos para coisas mais amenas. Afinal, aquilo só podia ser uma coincidência. Não havia arma no mundo capaz de provocar tamanha mortandade, à distância e sem causar danos físicos aparentes.
Como tinha prazo para devolver a caminhonete, reassumiu o volante e procurou esquecer o assunto. Afinal, cinco mil dólares e a promessa de novas entregas o esperavam...
- [03-08-2022]