AMIGOS
AMIGOS
Dois amigos, dois companheiros, por profissão - a pesca. Colhiam do mar frutos saltitantes e prateados donde multiplicavam os pães. Desde jovens acompanhavam os pais no difícil ofício. Fizesse sol, chuva-criadeira ou um toró saíam para alto mar em frágil embarcação.
A tradição continuava através dos filhos, orgulhosos de sempre seguir o ritual dos ancestrais, travando, muitas vezes, lutas insanas contra gigantescas ondas espumantes que, quando raivosas transformavam-se em tubarões famintos atiçados por águas ensanguentadas.
Uma relação de amor e combate corpo a corpo com a natureza revolta.
Escutaram o rádio, na madrugada, que anunciava mudança no clima. Embora alguma tempestade fosse prevista, escutaram somente o que lhes convinha, estavam acostumados a enfrentar a fúria das águas e dos ventos, já haviam pelejado com muitos temporais e vencido.
Foram avisados pelo filho adolescente, que grande vendaval se aproximava – havia visto na internet.
Invenção deste guri que não larga o celular. É tudo “faique niu” como diz a comadre Mariana.
Amanhã temos de tê os pescados encomendados, falá com o pessoal pra vendê, ganhá algum dinheiro prá pagá as contas da venda do seu Zé que está mais comprida que as fofocas das vizinhas quando se juntam prá tomar café com bolinho frito e remendar as malhas.
Ah! Cumpadre! Temo que guardá alguns pilas pro resto do ano. A gurizada gasta muito.
Pois é! Tão crescendo tanto. Haja roupa pro colégio.
Vamos s’imbora que hoje o mar está prá peixe.
Partiram rumo águas profundas, para encontrar o alimento escorregadio de cada dia.
Após quatro horas de afazeres, atira rede, puxa o peixe, arruma vela, acomoda a mercadoria no gelo, conseguiram um tempo para descansar e se alimentar.
Sentaram e, imediatamente, o céu escureceu e o vento ganhou velocidade. Os chapéus de palha amarrados por elásticos ensebados deram adeus aos donos de muitos anos.
A colisão com a tempestade tornou-se inevitável. Na briga, perderam velas, mastro e remos. O motor foi arrancado do barco com um pedaço do casco.
Na primeira semana sobreviveram com poucos mantimentos que conseguiram salvar e água da chuva. Nos próximos sete dias, a fome era intensa e, por azar, chovia pouco.
A água salgada salpicava suas peles ressequidas pelo sol ardente. A queimação começou a afetar as mentes e cabeças sem proteção.
Rezavam para que surgisse alguém para socorrê-los, mas tinham sido arrastados para muito longe da costa.
Como parceiros que eram, nos primeiros tempos, animavam um ao outro. Com o passar do tempo, assistiam, cada vez mais silenciosos e imóveis o nascer e o pôr-do-sol.
Até que um não respondeu aos sussurros do outro e jazia quieto, deitado no fundo da embarcação. Salpicos marítimos temperavam seu corpo inerte.
Sem companhia, sem água ou alimento o parceiro sobrevivente definhava rapidamente. À beira da morte foi despedir-se do colega das brincadeiras de infância. Ao abraçá-lo, observou o corpo conservado e totalmente salgado. Arrepiou-se diante do imprevisto e ficou a cismar como pôde acontecer este fenômeno.
O acontecimento distraiu sua fome e sede. Ficou muito tempo a cismar e imaginar como seriam encontrados - os dois.
Desamparado e agonizante recorreu, mais uma vez ao consolo de seu camarada tão querido, abraçado a ele começou a alucinar.
O rosto, de encontro com a cabeça do outro, encontrou uma orelha. Ao seu olhar, parecia pertencer a uma cabeça de porco assada, sequinha e salgadinha, conforme sua avó fazia e muito apreciada quando criança - que tempo bom. Lembrou que ele e os irmãos colocavam uma maçã vermelha e reluzente na boca do leitão preparado sobre a mesa para o jantar de Ano Novo. Delirante e feliz desmaiou.
Algum tempo depois, resgatado do infortúnio, verificou –consternado- que faltava uma