O direito à vida
R. Santana
Não concordei com as ideias de Tanaguchi que defendeu em nosso último encontro: “O direito de morrer”. Não o procurei no dia seguinte, mas, um mês depois. Não tive dificuldade de reencontrá-lo, sempre na mesma praça, no mesmo jardim, centro da cidade de Itabuna. Acho que alguma pessoa lhe traz lembrança afetiva nesse lugar. Uma vez justificou seu apego à praça:
- Meu amigo, esta praça, com todo desleixo do município, ela é aprazível e significativa na história da cidade... Tu sabes quem foi Olinto Leone?
- Claro, foi o primeiro intendente da cidade, ou seja, o primeiro prefeito de Itabuna em 1910! - acrescentei:
- Tu vens de longe só para honrar a memória de Olinto Leone?
- Não! Eu gosto destas árvores, gosto dos pássaros que nelas regurgitam, eu gosto dos macacos que pulam de galho e quando alguém coloca comida no chão, eles descem numa velocidade e perícia inigualáveis e pegam a comida e sobem na árvore como um raio! – puxei o assunto:
- Então, porque tu defendes o direito de morrer? Se a vida é bela e um dom de Deus?
- Meu amigo, tu és inteligente, o direito de morrer é quando a vida não tem mais significado para alguém que a vida é sofrimento e aflição. A vida é boa quando se tem o prazer de viver. Se o homem tem o direito à vida, consequentemente, ele tem o direito de deixar de viver. O homem tem o direito de morrer, não de matar.
- Tanaguchi, a vida é um mistério... O direito de morrer é o suicídio consentido. Tu acreditas em milagres?
- Não, religioso!
- Como assim?
- Acredito como vontade de viver. Se alguém introjeta na mente que não quer morrer, mas viver, essa energia positiva fará que a vida não se vá, aí alguém interpreta como milagre divino, eu interpreto como energia de vida.
- Bem, a maioria é inspirada na fé, outros inspirados na ciência, porém, o que vale é o resultado. Se alguém desenganado da vida obtém uma graça, é motivo de agradecer a Deus ou à ciência a cura de sua enfermidade. Se a cura veio do alto ou da vontade de viver é de somenos importância.
- Eu concordo contigo, o importante é o resultado, todavia, nos afastamos do foco principal: o direito de morrer. Sustentei desde o início que cabe ao homem de acordo às circunstâncias, ele escolher entre viver ou morrer, isto é, viver no sofrimento e aflição ou escolher entre o suicídio e a eutanásia, portanto, é de foro íntimo a decisão de morrer.
- Tanaguchi, meu amigo, faz muito tempo que li os diálogos de Platão: Górgias e Fédon. Não me lembro qual dos diálogos, Sócrates usando a maiêutica, método socrático, questionava seu interlocutor sobre a virtude, à medida que seu interlocutor conceituava a virtude, Sócrates levantava novos questionamentos e à medida que o diálogo avançava, o interlocutor se confundia com as perguntas socráticas, dado momento, o interlocutor irritou-se, que já tinha feito dezenas de discursos sobre a virtude e ali estava aturdido sem conseguir definir a virtude e comparou Sócrates a um animal marinho que entorpecia suas presas quando essas se aproximavam... – e concluiu:
- Tanaguchi, resguardando a importância filosófica e histórica de Platão e os protagonistas da obra Górgias ou Fédon, tu és um intelectual nocivo, tua lógica é fria, tu não tens alma, tu não acreditas na religião como fonte de fé, tu cultuas a ciência, entretanto, Deus permitiu ao homem o conhecimento. Sem Deus nós não somos ninguém, "não cai uma folha da árvore se não for permissão de Deus". Tu aceitas até como ciência o aborto, né Tanaguchi?
- Vós sabeis que sou ateu, na melhor das hipóteses, eu sou um agnóstico. Não responderei tuas perguntas hoje. Fique feliz ao ser comparado com Sócrates. Amanhã estarei aqui se também estiverdes, colocaremos tudo em pratos limpos. Se tu não aceitardes o meu convite, é que não houve interesse, portanto, ficará o dito pelo não dito.
- Só se tu prometerdes uma coisa?
- O quê?
- Usar o verbo na 3ª. pessoa...
- Combinado!
Autoria: Rilvan Batista de Santana
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