2 MOMENTOS RELIGIOSOS

2 MOMENTOS RELIGIOSOS

A figura fôra muito importante para a cidade, na periferia da capital e seu velório não coube em casa comum, foi preciso alugar um salão, o do centro comunitário, enfeitado com flores e tudo o que tinha direito o pequeno caixão lacrado, sem vista para o defunto. O padre iniciou a cerimônia meio a contragosto, não se tratava de enterro comum, embora o homenageado tivesse sido importante para o lugar, sua contribuição livrara, por década e meia, o município de um bocado de malfeitores e traficantes.

Agora, ali estava, hiro e frio, sem ouvir o "Miserere Nobis" entoado pelo sacerdote... ainda era o tempo do Latim nos ventos da Igreja Católica apostólica romana. E haja elogios ao defunto, entre risotas de desmiolados e lágrimas dos poucos que conviveram com este cidadão (?!, ou quase isso) de primeira classe.

-- "Raros são como êle foi... um exemplo de persistência, de competência, de amor ao trabalho ! A Polícia Militar teve a honra detê-lo em seu seio. Descanse em paz" !

Quatro militares aproximaram-se marchando, bateram continência, pegaram nas alças do féretro e dirigiram-se para o cemitério próximo dali -- Banda marcial e povo a acompanhar -- para desgosto do velho coveiro, 30 anos a serviço daquela comunidade:

-- "Onde já se viu uma coisa dessas... CACHORRO enterrado em cemitério DE GENTE ! E tem até padre... HOMESSA" !

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Em pleno domingo a Missa de 7º dia (não, não era do tal cão) sucedia lotada e, na hora do sermão, o vigário lembrou a todos que o falecido era modelo de virtude, só tinha amigos e perdoava ofensas e prejuízos que um ou outro mau-caráter tivesse lhe dado. O padre ressaltav o valor do perdão, ODIAR só nos fazia mal (até fisicamente) e o alvo de nosso desprezo nada sentia.

-- "Que levante a mão quem já foi ofendido um dia" !

Subiram quase 300 mãos, inclusive a de dona Mariazinha, a decana do bairro, 89 "invernos" e dezenas de inimigos, por conta de suas fofocas. (*1)

-- "Muito bem, mantenha a mão pra cima quem já perdoou seus inimigos, esqueceu os prejuízos" !

Desceram quase todas as mãos, permaneceram só umas 20, inclusive a da velhinha quase centenária. O sacerdote ficou surpreso, conhecia a paroquiana, dona "Maroca" não era de levar desaforo pra casa. Pedia à idosa que se aproximasse, viesse para a frente do altar e cedeu-lhe o microfone, assim que ela acercou-se dele, auxiliada por duas vizinhas.

-- "Dona Mariazinha, mentir é pecado ! Então, a senhora NÃO TEM inimigos... que novidade é essa" ?!

-- "Não sou mulher de "potocas", Reverendo... Deus é testemunha ! Não tenho mais inimigos, morreram TODOS, aqueles FILHOS DA PUTA ! Que virem "churrasco" lá no Inferno... se Deus quiser" !

O pároco desmaiou... precisou de sais para recobrar os sentidos !

"NATO" AZEVEDO (em 3/julho de 2022, 15hs)

OBS: (*1) - baseado em "piada" que li faz uns 15 anos na Internet, a velha tinha 98 anos no texto original e o FATO (?!) se passava em Copacabana.