Um corpo para o Sr. Nielsen
O plantão naquela noite de outono no necrotério municipal, estava sossegado; foi quando o telefone tocou na mesa do encarregado, Malachi Bates. Do outro lado da linha, uma voz calma de mulher disse algo que há muito tempo ele esperava ouvir:
- O Sr. Nielsen precisa de um favor.
- Boa noite, Carmen...
E baixando a voz:
- Do que o Sr. Nielsen necessita?
- Homem, branco, mais de 70 anos de idade, sem sinais de violência.
Bates escreveu as especificações rapidamente num bloco de anotações.
- E para quando será?
- O Sr. Nielsen anda adoentado, mas disse que não tinha pressa - redarguiu Carmen. - Considera três meses um prazo razoável?
- Creio que não levarei tanto tempo - afirmou confiantemente Bates.
- O Sr. Nielsen agradece a sua dedicação - concluiu Carmen.
* * *
Semanas depois, quando o corpo de um indigente de 75 anos, morto por hipotermia, deu entrada no necrotério, Bates sabia que havia encontrado o candidato certo. Ligou imediatamente para a secretária de Phillip Nielsen.
- A encomenda do Sr. Nielsen está aqui; só preciso que alguém venha reconhecer o corpo.
Carmen respondeu que Gary Nielsen, bisneto do velho Nielsen, iria fazer isso. O rapaz apareceu na noite seguinte com um carro funerário, parecendo curioso com as instalações.
- Sabe, Bates, as coisas já foram mais simples.
- Seu bisavô costumava conversar sobre necrotérios? - Indagou Bates, curioso.
- Só o essencial - riu o jovem Nielsen. - Enfim, estou aqui para assinar a papelada e levar o corpo... antes que apareça algum parente de verdade do morto.
Bates já tinha a documentação pronta, tendo a autópsia sido realizada no dia anterior. Como sigilo era essencial, ele e o jovem Nielsen encarregaram-se de levar o cadáver, numa urna simples, para dentro do veículo. O rapaz entregou então para o encarregado um envelope, contendo uma boa soma de dinheiro em espécie.
- Pelos seus valiosos serviços - declarou com um sorriso.
- Foi um prazer poder atender ao seu bisavô - replicou Bates. - Mas isso também significa que não vou mais ter nenhum contato com ele?
Gary Nielsen, que já havia se instalado atrás do volante, abriu outro sorriso.
- Isso depende, Bates. Você acredita em reencarnação?
E antes que o encarregado respondesse, acrescentou:
- Se não acredita, está na hora de rever seus conceitos!
Acenou, e deu partida no veículo.
- [11-06-2022]