O direito de morrer- R. Santana

Um dia depois do meu aniversário (01.06.2022), encontrei-me com o velho Tanaguchi na Praça Olinto Leone. Mais velho e mais lúcido, o tempo carcomia suas carnes, mas, sua lucidez não perdia o fio da meada, ele lembrava de fatos remotos e opinava sobre o dia a dia do homem. Pra tudo tinha resposta, sábio sem alarde de sua sapiência, aos jovens, mais um aposentado do INSS na praça do povo no gozo do seu ócio, distante das novas tecnologias atuais e incapaz de pensar na ciência do futuro.

Aprendi não subestimar sua inteligência e seu conhecimento. Tanaguchi é o senhor do seu tempo, acompanhou o progresso tecnológico e científico do Século XXI, não os domina, porém, conhece sua finalidade. Não se incomoda de ser subestimado pelos jovens e pelos moços, pois entende que não é condição sine qua non do idoso conhecer essas coisas para viver, que é tarefa dos mais novos, cabe ao idoso, somente, aconselhar ao moço os valores morais, religiosos e intelectuais e o significado da vida.

Naquele dia, assim que o encontrei na Praça Olinto Leone, ele surpreendeu-me com sua pergunta:

- A festa de aniversário foi boa?

- Como soube?

- Hoje, as Redes Sociais...

- Meu amigo, pobre não faz ano, faz era! – Tanaguchi quase se engasga de tanto rir.

- Têm quantos anos?

- Tenho os anos que me restam, os anos que já vivi, eu não os tenho mais...

- Certo. O que já passou não interessa, a mesma coisa é querer ressarcir o valor da comida e da bebida que consumiu, porém, não se pode prever quantos anos lhe restam?

- Tanaguchi, no meu caso, eu não faço projeto para o futuro, sigo o Evangelho: “Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã; porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” (Mateus 6:34). Como prever o futuro? Se o futuro é desígnio de Deus?

-Você está certo. O futuro é uma incógnita, eu sei que poucos anos me restam, na minha idade já não sonho mais... Já não mais decido, os filhos e a sociedade decidem por mim, você é o único que me ouve por algum tempo... Os jovens fazem ouvidos moucos quando lhes falo, acham que só sei reclamar das minhas dores da idade, eles não sabem que à medida que envelhecemos, nós adquirimos mais conhecimento e experiência. O conhecimento não se mede pela idade, mas a experiência sim, O vaso da experiência nunca transborda nem envelhece. Deus foi justo quando abreviou os males da idade com a morte, se não fosse a morte a dor do mundo seria maior.

- Tanaguchi, mas se o homem vivesse mil anos, não seria mais justo, visto que é o único animal racional e tem consciência do seu papel no mundo?

- Não! A teoria de Thomas Malthus é atual, a oferta de alimentos é aritmética enquanto a população cresce em forma geométrica. Mesmo com agricultura informatizada, muitos passam fome aqui, ali e alhures. Embora a fome seja um problema econômico (alguns sustentam que não falta comida, mas recursos pra comprar a comida), que não falta comida no mercado, ela torna-se inacessível para alguns pela Lei da Oferta e da Procura. Imagine amigo, se o homem vivesse mil anos?

- Se você fosse um bruxo e tivesse uma vara de condão, como resolveria os males do mundo?

- Ninguém resolve os problemas do mundo, os problemas fazem parte da vida, mas enquanto não se inventa o elixir da juventude, que tal o direito de morrer?

- A eutanásia?

- Não! A Eutanásia em nosso país é uma morte assistida, a família permite que os médicos suspendam todo o tratamento convencional, evitem as dores e deixem o paciente cumprir seu destino. O direito de morrer é um ato de vontade. Quantas pessoas perdem a vontade de viver? A maioria não dá cabo da vida por falta de coragem; outras, convicção religiosa; outras, medo de deixar a família com dificuldade de sobrevivência. Você acha que um paraplégico, um portador de doença incurável, uma pessoa que está vegetando anos em cima de uma cama, não pede a Deus todos os dias para morrer? Não seria mais humano se o estado lhes propiciasse o direito de morrer?

- Tanaguchi, eu não concordo com sua reflexão, as pessoas nessas condições de doença e as pessoas que não são doentes e perderam a vontade de viver, elas precisam lutar até o fim na esperança que a ciência descubra sua cura e as desesperançadas descubram o significado da vida – continuei:

- Meu velho amigo, nada melhor para encerrarmos a nossa discussão que pedir o auxílio de Voltaire: '”Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”.

- Obrigado!

 

Autoria: Rilvan Batista de Santana

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