Templo vazio
Depois de tomar o café da manhã, acabei chegando à conclusão de que seria melhor ir espionar o que Peter Key estava fazendo nas ruínas, em vez de esperar que ele chegasse para o almoço. Afinal, eu poderia conseguir alguma vantagem estratégica que a própria Sybell não tinha.
- Você nunca pisou lá fora? - Indaguei, curiosa.
- Na Savana Vana? - Ela fez uma careta. - Não, esse tipo de ambiente não me agrada; calor, mosquitos, cobras... prefiro manter distância.
Isso quem dizia era a mesma pessoa que supostamente havia transformado um lobo num familiar, pensei comigo mesma.
- Então, não se importa que eu vá dar um giro lá fora? - Indaguei com ar inocente.
- Não prefere aguardar o retorno de Peter? - Replicou ela.
- Eu já vi onde ficam as ruínas... não vou precisar dele como guia - assegurei.
Sybell deu de ombros.
- Bom... se você se garante... - hesitou. - Não me responsabilizo por quaisquer encontros fortuitos com animais peçonhentos e bestas selvagens.
- Eu me garanto - afirmei confiantemente. - Vou levar o meu kit de amostras como precaução; ali, tenho tudo o que posso precisar.
- Se você diz - redarguiu Sybell. - Pelo menos, me permita lhe emprestar um dos meus chapéus de praia. O sol está forte.
Aceitei. Minutos depois, a cesta de vime com as amostras pendurada no braço esquerdo, desci sozinha as escadas para a base da torre.
- Isso aqui já foi realmente uma realidade superior? - Indaguei-me, ao pisar no exterior e deparar-me com o mar de capim amarelado que se estendia diante de mim em todas as direções. O vento era quente e seco, e por um instante pensei se o que estava fazendo era seguro.
Meus sigilos de proteção estavam em ordem, tranquilizei-me. Poderia andar pelo matagal como se estivesse caminhando no parque perto de casa; ou algo assim. De qualquer forma, havia algo de instigante e misterioso naquela dimensão abandonada que me fez avançar, tomando o rumo no qual vira Peter Key se encaminhar, horas antes. Diante de mim, o capinzal se abria ante minha passagem, como se quisesse guiar meus passos.
- Está feliz em me ver? - Questionei, em voz alta.
O sussurro do vento entre as folhas longas poderia ser entendido como uma resposta; embora eu não lhe compreendesse o significado, a savana parecia satisfeita por ter companhia. Além do murmúrio do vento e do pio ocasional de alguma ave oculta na vegetação, nada mais se ouvia. Era um lugar muito, muito silencioso.
Finalmente, o mato deu lugar a um espaço pedregoso, e este a uma área calçada que circundava as ruínas do templo. Aparentemente, não havia nenhuma estrada que levasse até ali, nem mesmo sinais de que houvera alguma e fora coberta pelo mato. Talvez Vana houvesse dotado seus seguidores da capacidade de teleportação, ponderei, parando diante das escadarias que levavam à construção principal, erguida com grandes blocos de arenito rosado. Curiosamente, as ruínas me pareceram um tanto bem conservadas demais, como se o lugar fosse uma contrafação.
Abanei a cabeça, me recusando a aceitar a ideia. Que sentido teria construir um templo falso, com aspecto deliberadamente antigo? A Savana Vana estava longe demais das rotas de navegação usuais para poder ser classificada como armadilha para turistas, mesmo para turistas capazes de se teleportar entre dimensões.
Dei uma volta cautelosa ao redor do templo. Ocupava talvez 2000 metros de área e era quadrado, com escadarias em cada face que levavam a uma câmara superior, sustentada por colunas; nenhuma inscrição ou estátua externa. Se havia algo para ver ali, deveria estar lá em cima. Comecei a subir as escadas, pé ante pé, na tentativa de surpreender Peter Key no que quer que ele estivesse fazendo dentro do templo. Presumivelmente nada, dado as dimensões do lugar.
Havia apenas uma entrada para o interior da câmara superior, no lado oposto ao ponto onde estava a torre de Sybell. Lá dentro, um brilho mortiço como de archotes. Parei na soleira, que era de granito e recebi no rosto uma lufada fresca de umidade. A câmara estava vazia, as paredes nuas, e um poço quadrado ocupava quase todo o espaço ao centro.
Ajoelhei-me à beira do poço e olhei cautelosamente para baixo. Estava escuro, mas o vento fresco que eu sentira ao entrar no aposento vinha dali. E foi então que senti uma presença atrás de mim e virei-me, assustada.
Na única entrada da câmara, um lobo imenso me encarava com seus olhos amarelados.
- [Continua]
- [22-05-2022]