O ex-amigo Zé Legal
Dizia tão gentil e humano. Por muitas e muitas vezes eu o enxergava como meu pai ou o irmão que não tive. Parecia me compreender na questão de doces ou coisas bobas que eu amava. Eu o considerava meu melhor amigo. Adorava sorrir para mim, apertar minhas bochechas. Nunca retruquei. Achava normal. Muitos adultos faziam isso em mim, se diziam encantados com meus olhos claros e os cabelos loiros.
Embora nunca tenha retrucado, eu não gostava quando apertavam minhas bochechas. Ficavam vermelhas. Zé Legal parecia ter a minha idade, apesar de ter o tamanho do meu pai e a aparência de quase o meu avô. De altura dava uns dois de mim. De repente nossa amizade ficou estranha. Começou a me pedir coisas que nenhum outro adulto um dia pedira.
Sinto vergonha em me abrir desta forma. Ele abusou da minha infância, da minha inocência. Ele tentava me convencer. Dizia ser normal. Dizia que amigos tinham segredos. Eu não entendia. Eu me sentia incomodado. Pedia para parar. Ele vinha com a mesma desculpa.
Eu odiava quando aquela brincadeira começava, odiava aqueles toques sobre meu corpo, que eram cada vez mais frequentes. Aqueles toques causavam-me dores e desconfortos.
Não comentei com ninguém. Tinha medo de decepcioná-lo. Não queria incomodar as pessoas com aquela história. Acontece que um dia a professora de Ciências relatou um assunto. Vi que o tal assunto se enquadrava no meu caso. Me assustei. Zé Legal não era meu amigo. Era tal de maníaco. Um pedófilo.
Fiquei sem chão ao descobrir que o que ele fazia comigo, era coisa de adulto, só de adulto e que ele deveria fazer apenas com o consentimento da outra pessoa. Chorei de vergonha. Perguntaram-me o motivo. Disfarcei. Disse que estava com dor de cabeça. Então, minha mãe foi me buscar.
Foi um dia diferente, a mensagem da professora de que era essencial nos abrirmos com os pais ou alguém mais próximo sobre esse tipo de coisa, mexeu fortemente com a minha inocente cabeça. O que eu deveria fazer? E os juramentos que havia feito ao ex-Zé Legal? Seria eu covarde? Eu me tornaria um menino sem palavra? E se eu me abrisse com a professora e ela passasse o assunto pra frente? E se eu falasse com a minha mãe e ela não me compreendesse? E se no lugar de apoio o bendito segredo tornasse uma bola de neve na boca do povo? Eu seria apoiado ou condenado?
Falei com a minha mãe. Ela se chocou e procurou as autoridades. Eu nunca mais vi o ex Zé Legal. Ganhei um amigo psicólogo, um amigo de verdade, que tem me ajudado com encontros semanais e sem tocar nas minhas partes íntimas. Aos poucos fui percebendo que o meu descontrole emocional na escola e até mesmo em casa tinham uma razão de existir. Depois que contei para minha mãe tudo foi se encaixando. Mexer nas partes íntimas de uma criança ou de qualquer pessoa sem o devido consentimento dela é crime. Um crime precisa ser denunciado.