O ex-amigo Zé Legal

Dizia tão gentil e humano. Por muitas e muitas vezes eu o enxergava como meu pai ou o irmão que não tive.

Parecia me compreender na questão de doces ou coisas bobas que eu amava.

Sentia como o meu melhor amigo. Sabia me compreender.

Adorava sorrir para mim, apertar minhas bochechas quando sentia o ar da graça ao que eu tão pouco falava.

Nunca retruquei. Achava normal. Muitos adultos faziam isso em mim, sempre com a mesma ocasião: minha loirice e olhos claros o encantavam.

Na verdade, eu não gostava. Uns exageraram: apertavam e deixavam avermelhadas.

Zé Legal parecia ter a minha idade, apesar de ter o tamanho do meu pai e a aparência de quase o meu avô. De altura dava uns dois de mim.

De repente do nada, nossa amizade ficou estranha. Começou a me pedir coisas que nenhum adulto ou amigo, um dia viria me pedir.

Hoje sinto vergonha de me abrir, enfim, abusou da minha infância e nobre inocência dos dez anos.

Convencia-me na pura inocência, Dizia ser normal. Ser segredos de amigos. Amigos discretos e sigilosos, pois o mundo adulto era cruel e não entenderia a brincadeira que iriamos fazer.

Sentia incomodado. Pedia para parar. Sempre vinha com a mesma desculpa.

Odiava quando aquela brincadeira boba de toques sobre o meu corpo começava a se tornar rotina ou com mais frequência. Aqueles toques causavam-me dores e desconfortos.

A presença dele começou a me irritar por não compreender as minhas inocentes decisões. Não comentei com ninguém. Tinha medo de decepcioná-lo ou de se abrir aquele incômodo com alguém.

Um dia sem comentar nada com uma das minhas professoras do sexto ano, a de Ciências, relatou um assunto do qual eu vi que se enquadrava no meu caso.

Assustei. Zé Legal não era meu amigo. Era tal de maníaco. Um pedófilo.

Fiquei sem chão ao saber do que ele fazia comigo era coisas de adultos e com consentimento a dois.

Peguei a chorar de vergonha. Perguntaram-me o motivo. Disfarcei estar com dor de cabeça.

Minha mãe veio me buscar acreditando eu falar a verdade.

Foi um dia diferente, a mensagem da professora de que era essencial nos abrirmos com os pais ou alguém mais próximo sobre esse tipo de coisa, mexeu fortemente com a minha inocente cabeça.

E agora? O que deveria fazer? E os juramentos que havia feito com o ex-Zé Legal? Seria eu covarde? Tornaria um menino sem palavra.

E se eu abrisse com a professora e ela passasse o assunto para frente?

E se eu abrisse com a minha mãe e ela não me compreendesse?

E se no lugar de apoio o bendito segredo tornasse uma bola de neve na boca do povo? Até que ponto alguns poderiam me apoiar ou condenar?

Abri com minha mãe. Ela se chocou e procurou a autoridade da ocasião. Perdi de vez a amizade com ex-Zé Legal. Nunca mais o vi.

Ganhei um amigo psicólogo; muito tem me ajudado com encontros semanais e sem tocar nas minhas partes intimas. Pouco a pouco fui me ajeitando, percebi que o meu descontrole emocional na escola e até mesmo em casa, enquanto não tinha recorrido a minha mãe, tudo foi se encaixando.

Minhas partes íntimas somente eu ou a quem eu escolher para viver a vida a dois podem tocar. Fora disso é crime e deve ser denunciado, seja a vitima criança, mulher ou qualquer cidadão sem consentimento ao repugnante ato.

escritor Rogério Rodrigues
Enviado por escritor Rogério Rodrigues em 13/05/2022
Reeditado em 13/05/2022
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