SETE FLORES E UM PECADO
Homenagem a Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta)
Extraído do livro do autor: “Tute – Brincadeiras de papel”
Oriundo de uma tradicional família do setor de jardinagem, Cravo Jardim possuía ancestrais cujas identificações, mesmo para os menos atentos, imediatamente revelava a atividade exercida, dada à imperativa influência de seus nomes de batismo. Não há registros de como a tradição (ou mania) surgiu. Trabalhadores da terra, os bisavós paternos, Crisântemo e Gardênia, já tinham o costume de batizarem as crianças com nomes exóticos, tanto que conceberam nomes de flores: Alfazema, Antúrio, Begônia, Corola, Dália, Estefânia, Frésia, Girassol, Jacin, Lantana, Magnólia, Narciso, Petúnia, Ranúnculo, Senécio, Tulipa, Vanilla e Xantorreia. Uma floricultura quase completa.
Pais de Cravo Jardim, Girassol e Camélia, também não deixaram por menos. Geraram muitos rebentos, todos registrados com nomes da nossa flora. A começar por ele, Cravo, o primogênito. Depois vieram Babiana, Calêndula, Dracena, Escutelária, Flamboyant, Gerânio, Hibisco, Ipomeia, Jasmim, Malva.
Até chegar à geração do seu Cravo, foram muitas crianças plantadas nos canteiros da vida. Não se tem notícias de quantas dessas florezinhas sobreviveram às pragas e intempéries da natureza. O que temos conhecimento é que seguindo a tradição de seus antepassados, nosso personagem tornou-se um grande profissional da jardinagem. Homem comprometido com a profissão vivia para o seu negócio, dispondo de pouco tempo para a família. Mas, ainda assim, tivera com a sua companheira — a jovem e bela Rosa, muitos anos mais nova que ele, sete meninas: Açucena, Achillea, Adelfa, Afelandra, Alamanda, Albízia e Alpínia.
A oitava criança viria fora do planejado — muitos anos depois do nascimento da última flor — para atormentar a paz no lar da família que, até então, era chamada pelos vizinhos, de amor-perfeito. No entanto, Rosa não era lá uma flor que cheirasse bem, nem tampouco fiel ao marido. Dava suas escapulidas em canteiros alheios. Em casa era só espinhos para o companheiro enquanto que, fora, exalava um perfume envolvente e insinuante. E não mais permitia que o marido brincasse com ela com o “bem me quer, mal me quer”, pois temia ter revelados seus segredos de alcova.
No período entre o nascimento da sétima e da oitava filha, Cravo regava o jardim da família com afinco e afeto e rotineiramente saia com as crianças para passear, orgulhoso das belas flores que cultivara. Nessas caminhadas, era provocado pela maledicência dos vizinhos, que, volta e meia, deixavam escapar comentários, que, no entanto, não o abalavam.
— Lá vai a floricultura ambulante!
— Cuidado com as pragas, podem comer suas flores.
— Já parou de plantar com a dona Rosa?
— Estão roubando as flores do seu jardim e tirando as pétalas.
— Veja só, o Seu Cravo e seu buquê de flores.
— Então, levando a floricultura para um passeio?
— Quantas dessas flores já tiveram as pétalas despedaçadas?
As gracinhas não o importunavam. Cravo importava-se mesmo era com o cultivo de suas flores. Mas, embora as amasse, sempre desejara ter um filho varão para perpetuar a tradição. Porém, com a idade avançada, sabia já não ter vigor para plantar a sementinha em sua Rosa, o que lhe entristecia.
Uma fatídica surpresa estava, porém, por vir. Num determinado dia, a formosa Rosa engravida. Com certeza, não era de uma semente plantada pelo Cravo, pois há muito ele não cultivava o canteiro de casa. Não havia dúvida que aquela mudinha germinando no ventre da esposa não lhe pertencia. No entanto, para não escandalizar a família e evitar comentários maldosos aceitou passivamente a situação.
Comenta-se pelos quatro cantos que, nesse dia, o Cravo brigou com a Rosa, que o Cravo ficou ferido e a Rosa despedaçada. Traumatizado, o Cravo ficou doente, a Rosa foi visitar e, de tanta emoção, o Cravo teve um desmaio e a Rosa pôs-se a chorar, balbuciando: — As flores do jardim da nossa casa morreram todas por causa de você!
Cravo chorosamente retruca:
— Eu já não posso mais olhar nosso jardim, lá não existem flores, tudo morreu pra mim.
Mesmo sofrendo profundamente, ele assumiu a criança e, por vingança à desonra sofrida de quem mais amara nessa vida, batizou a " intrusa plantinha" de Tiririca, em alusão a certa erva-daninha invasora e nociva.