Insípido
Não sei mais escrever. A estranha fase que permeou meus dias durou cerca de oito anos. Vejo a natureza me fitar calada, observando os passos que não dou, regulando atitudes que não tomei, desprezando sentimentos que joguei no tempo. Entre as cartas que te escrevi, várias lembranças perdidas na noite, na calçada, na avenida... Sinto-me como um grão de areia na praia, sendo queimado pelo sol todos os dias, sendo arrastado pelas ondas século após século, fazendo parte de algo maior que nunca saberei o que é exatamente. Pasmo com situações injustas, feliz com a simplicidade, entediado de tecnologias falsamente úteis que aproximam nosso Eu da artificialidade e intoxicam nossa personalidade com cores falsamente vivas e ondas invisíveis das quais não temos muito conhecimento sobre seus efeitos. Com os dias passando, tento enxergar soluções para cada pequeno problema, tento absorver conhecimento da chuva que cai, procuro abster-me da sujeira que permeia a sociedade, todavia faço parte de tudo, inclusive ajudo a sujar mesmo que não queira. É simples a forma como a vida passa, dia após dia, e só temos que aceitar o que acontece. A vida é premeditada não é? Eu não escolhi meu nome, nem sexo, família, nacionalidade... Nada. Não pude escolher nada, fui posto onde estou e foi me dado o livre arbítrio, e mesmo assim ainda sou refém dos acontecimentos do presente, da cultura, dos costumes, da sociedade, das conveniências, das etiquetas, das palavras.