O repositório

- Mulher, como você fez... aquilo tudo? - Indaguei para Sybell, tão logo Peter desapareceu na cozinha com o pote de iogurte que eu levara na minha cesta.

- Há coisas que a sua tecnomagia não resolve, admita - replicou ela com ar de triunfo. - Toma um vinho?

Aceitei. Sentamo-nos em duas confortáveis poltronas, frente a frente, cálices na mão.

- Eu poderia dizer que inventei o método, mas a verdade é que descobri um grimório com fórmulas para evoluir familiares a partir de animais comuns - relatou Sybell despreocupadamente.

- Um grimório, você diz - redargui. - Confesso que nunca ouvi falar de tal coisa, e mesmo no âmbito da tecnomagia, fórmulas de transmutação orgânica exigem uma grande quantidade de energia. Em resumo, o resultado dificilmente chegaria perto dessa perfeição que tem aqui. Que animal usou para criar Peter Key?

- Um lobo. E não, ele não se transforma em lobisomem nas noites de lua cheia...

- Menos mal - ponderei. - E esse grimório... onde exatamente o conseguiu?

- Na verdade, veio como pagamento de uma dívida. O dono original me disse que era uma herança de família, mas como ele não seguiu o ramo da magia, resolveu dá-lo a alguém que entendesse do assunto. Euzinha, no caso.

- Sorte sua - admiti. - É sobre isso que queria a minha opinião?

- Sim. Veja, há muito mais coisas no grimório que não entendo; a parte da evolução dos familiares era a mais fácil.

Ergui os sobrolhos. Se aquilo era o mais fácil...

- Preciso ver o tal livro - decretei.

Peter voltou da cozinha nesse instante, com uma bandeja onde estavam três taças cheias de iogurte e colheres de prata. Paramos para comer, antes de Sybell ordenar ao familiar que trouxesse o grimório que estava em seu quarto. Quando ele voltou com o objeto, percebi que Sybell havia cometido um erro.

- Isso não é o que você pensa - alertei-a, segurando o grosso livro encadernado entre placas de metal.

- Como não é um grimório? Tem fórmulas mágicas e tudo o mais - retrucou Sybell.

- Grimórios não têm folhas de plástico imitando couro - observei, folheando o volume. - Isso aqui é um repositório interativo extremamente avançado. Creio que quem o vendeu para você, contou uma história falsa por não saber do verdadeiro valor.

Encarei Sybell e afirmei:

- Aposto que é roubado.

- Mas como... - ela levou a mão ao peito, fingindo espanto.

- E, curiosamente, você se muda para uma torre com posicionamento dinâmico, como se estivesse fugindo da polícia. Vamos lá: como foi que conseguiu isso?

Sybell respirou fundo.

- Está bem. Não vou mentir pra você... essa coisa é complexa demais para uma bruxa da velha escola, como eu. Se me ajudar a entender como funciona, deixo que faça uma cópia.

Dei uma gargalhada.

- Se o dono desse repositório puser as mãos em você, pode se considerar morta - informei.

E diante do olhar de pavor de Sybell, cuidei de acalmá-la.

- Sossegue. Isso não vai acontecer justo na minha guarda.

- [Continua]

- [05-05-2022]