Corvo carteiro
Alguém estava batendo pelo lado de fora no vidro da janela da sala, e eu moro num quinto andar. Pus a xícara de chá sobre o pires e ergui-me da mesa, ver o que era.
Um corvo. Havia um corvo pousado no parapeito, e ele me encarou com seus olhinhos brilhantes, enviesando a cabeça.
- Eu já vi você antes? - Indaguei, aproximando-me da janela fechada.
O corvo grasnou e ergueu uma pata. Nela, podia-se ver que alguém atara um pequeno estojo metálico.
- Pergunta respondida - suspirei, abrindo as folhas da janela para dentro. - Só conheço uma pessoa que ainda usa corvos para mandar correspondência...
Sybell Wexcombe, naturalmente.
- Tudo bem se eu abrir o seu malote postal? - Perguntei em tom retórico para o corvo. Era uma ave bem adestrada, naturalmente. Não se moveu enquanto eu retirava uma tira translúcida de papel de dentro do estojo.
- Alguém andou aprendendo uns truques novos... - comentei em tom jocoso, sacudindo o papel no ar.
Um círculo de luz tremeluzente formou-se à minha frente. Depois, a imagem estabilizou-se e surgiu flutuando no ar a figura familiar de Sybell, dos ombros para cima. A imagem estava sorrindo e pouco depois, ouviu-se o recado gravado:
- Oi, Portia, tudo bem? Você fala tanto em videoconferência, que resolvi experimentar, em vez de mandar apenas um bilhetinho...
- Isso não é videoconferência - murmurei, braços cruzados.
- Viva a tecnologia, não é mesmo? - Prosseguiu a imagem sorridente. - E aliás, é justamente por causa dela que estou precisando da sua ajuda. Você é referência quando se trata dessas coisas modernas.
- Direto ao ponto - disse para mim mesma.
- Será que você podia vir à minha torre, uma hora dessas? Se possível, em breve? Mande a resposta pelo Aquila!
O nome do corvo era Aquila; bem típico da Sybell, pensei.
O círculo de luz desfez-se numa chuva de fagulhas ilusórias. Cafona, mas em se tratando da remetente, já era um progresso.
Fiz uma bolinha com o papel para apagar a gravação, e depois estiquei-o para registrar a mensagem de volta; eu não tinha mais foto de perfil para aquele feitiço de comunicação, portanto ele iria utilizar a figura padronizada de um chapéu preto pontudo com uma fivela de prata. Em seguida, ditei a resposta para Sybell.
- Oi querida, bom saber que está querendo se adequar à modernidade.
Eu ia acrescentar "na sua idade", mas me contive a tempo.
- Não conferi as coordenadas para o nosso encontro, mas imagino que a torre a qual se referiu seja o seu antigo endereço. Vou dar um pulo aí amanhã à noite, no nascer da lua. Prepare a ceia, eu levo o iogurte.
Naturalmente, Sybell não iria me perdoar se eu não levasse iogurte. Isso estava implícito na mensagem, mesmo que ela só quisesse algumas aulas grátis sobre tecnomagia.
Bom, mesmo numa aula grátis, sempre se pode aproveitar pra vender alguma coisa, ponderei. Eu iria levar a minha maleta de amostras, decidi.
- [Continua]
- [27-04-2022]