Vigília natalina
Estávamos eu e meu pai saindo da padaria, quando um homem o segurou pela manga do paletó.
- Você é Mack Morin?
- Acho que me confundiu com outra pessoa - resmungou meu pai entredentes, desvencilhando-se do estranho e me puxando pela mão ao longo da rua.
Não havia sido um engano, que fique bem claro: meu pai havia sido reconhecido. Mas a família fora instruída a não pronunciar o nome dele em público, para não despertar atenções indesejadas.
- Pensei que íamos ter sossego nesse bairro - disse minha mãe com ar cansado, quando chegamos em casa com o pacote de pães e ouviu o incidente pela boca do meu pai.
- Por favor, ponha esse paletó para lavar - solicitou ele, como se o desconhecido houvesse contaminado a peça de roupa ao pegar nela.
Enquanto minha mãe jogava o paletó no cesto de roupa suja, papai virou-se para ela, em mangas de camisa, e comentou:
- Vou dar um jeito nesta situação, de uma vez por todas.
Minha mãe olhou para ele, fisionomia tensa.
- O que pretende fazer?
- Vou comprar uma arma - afirmou meu pai em tom resoluto.
- Eu não faria isso. Se acontecer mais alguma coisa, acredito que não vão aliviar com você - ponderou mamãe pacientemente.
- Provavelmente, não vai acontecer nada - assegurou meu pai. - É apenas uma precaução.
E na véspera de Natal, às 21 h, papai mandou que eu e meu irmão caçula fôssemos nos deitar e ficou sentado sozinho na sala, roupão sobre o pijama, as luzes coloridas da árvore de Natal se refletindo em seus óculos; sobre os joelhos, uma espingarda negra de dois canos.
À meia-noite, todos acordamos com o barulho do tiro.
- [16-04-2022]