REPASTO NO PARAÍSO

REPASTO NO PARAÍSO

O "capiau" chegara do interior da Minas Gerais de montanhas e riachos, de cidadezinhas simpáticas paradas no tempo. Desceu na imensa Rodoviária paulistana em meio a um mar de gente, ônibus que não acabava mais em enormes filas, entrando e saindo da gare. Devia encontrar um amigo "bem de vida" na área central, nos Jardins, mas decidiu não ir de táxi, eram muito caros. Tomou informações e se meteu num coletivo desconfortável, agarrado á maletinha surrada, de papelão envernizado e apalpando "volumes" vez ou outra na cueca e mas meias. Era o suado dinheirinho da venda de um terreninho "bem cuidadinho" que vendera para um vizinho... não iria gastar assim, com qualquer coisa. No bairro chique o amigo endinheirado o ajudaria a multiplicar a "bufunfa".

Já passavam das 2 da tarde, êle comera "qualquer coisa" durante a incômoda viagem, temia ter "um piriri" se enchesse a pança com essas "porcarias" que se fazem por aí. Vai daí que seu "instongo" colara às costelas, sentia-se tonto, fraco e andar a esmo pelo bairro nobre o deixava ainda mais zonzo. Avistou belo restaurante adiante, mesas desmontáveis sendo recolhldas e cadeiras retráteis amontoadas num canto. Leu "Paraíso das Delícias" no painel em frente e delícia para êle tinha somente um nome... "TUTU À MINEIRA com os "apetrechos" todos: queijo minas, torresmo, couve picada, "tudo" do porco, exceto o "saca-rolhas" e as "bolinhas". Subiu decidido a pequena escadaria de madeira de lei:

-- "Senhor, estamos fechando, agora só amanhã às 11 horas" !

-- "UAI, como estão... fechando ? Está tudo aberto" !

O garçom, de libré e cartola, viu que teria problemas com o matuto e tentou se livrar dele o mais rápido possível.

-- "Amigo, acabou a comida, só tem um restinho de escargot..."

-- "Esss... o quê ?! Será que ouvi direito" ?

-- "Cavalheiro, só tem uma porção de "champignon" com arroz de forno, "petitpois e pomme de terre" ao molho tártaro... é tudo o que sobrou hoje" !

O garçom resolvera se divertir com o interiorano, daí o uso de termos franceses para legumes comuns.

-- "Sou peão, moço, não tenho cavalo, trabalho com enxada. Minhas tripas estão se contorcendo de fome, pode trazer o tal de "xapinhão" e tudo o que fôr "da terra" !

Como todos os ingredientes estavam á mão, o garçom voltou em seguida com aquela bandeja de prata "com tampa", o prato pronto dentro. Na mesa descobriu a comida... quatro bolinhas brancas, um arroz "de hospital", meia xícara se tanto, algumas ervilhas e batatinhas grelhadas. O mineirinho arregalou os olhos:

-- "UAI, mas é só isso ? Não tapa nem o buraco do dente ! E quanto custa essa "miséria" de comida" ?!

-- "80 reais, senhor... e não pode devolver, já pediu" !

-- "Meu Deus, por esse preço eu como bem uma semana lá em Conceição do Mato Dentro... essas bolinhas amarelas, não é COGUMELO, isso" ?!

-- "Exatamente, caro cliente... em Paris, "champignon" !

-- "Estão me cobrando 80 reais nisso ?! Enlouqueceram" ?!

-- "80 reais CADA UM... como são 4 o total dá 320 reais" !

-- "NÃO PAGO, não pago mesmo... aliás, perdi a fome, pode levar tudo de volta. Na minha terra, cogumelo é comida de sapo, nasce da merda das vacas" !

-- "Faltam ainda NA CONTA o serviço da cozinha, a porção de ervilhas com batatas e os meus DEZ POR CENTO para bem servir ao nobre cavalheiro... são 418 reais tudo, mas fica por 400 por estar frio" !

-- "E se eu não pagar ? Vão fazer o quê" ?!

-- "A Delegacia fica a dois quarteirões, chegam aqui em 5 minutos" !

Lembrou-se da dinheirama que trazia na cueca e nas meias, se fosse parar numa delegacia a grana findaria nas mãos do pessoal da (in)Segurança. Tentou apelar ao bom-senso do "pinguim":

-- "Seu garçom, na minha terra isso é "lixo", nasce no meio da merda da boiada, não pode ser 80 reais" !, espetando no garfo uma das bolinhas, exibida ao serviçal, com irritação.

-- "Não esses, cavalheiro... nascem do estrume real de "King Creolle from Mallorca", um zebu premiado da fazenda do patrão... touro famoso, sem igual" !

-- "MERDA de boi é tudo uma coisa só... está me gozando, camarada" ?!

-- "Esses "champignons" são enviados pros "Stêites", o patrão ganha uma fortuna com êles. Dê-se por feliz por poder prová-los" !

O mineiro "engoliu em seco", fez um esforço danado para desfrutar o prato todo, afinal eram 400 "paus" ! Desistiu de ficar "na terra da garoa", concluiu que todo seu dinheiro não duraria nem 6 meses. Deu meia volta... na cidadezinha todos se admiraram com o compadre, regressando em menos de 3 dias.

Assuntaram, êle misterioso dizendo que começaria um novo negócio... aprendera na capital paulista ! Quando o povo o assistiu recolhendo estrume nos potreiros concluiu que a viagem não lhe fizera bem e o compadre voltara "avariado da cachola" ! Segundo a chacota geral, o "vizinho" vai vender "bosta" lá na terra onde "merda" é o que não falta... não é de lá um certo "capitão" ?!

"NATO" AZEVEDO (em 20/março 2022, 14hs)