Amostra grátis

Fui ao supermercado 24 h tarde da noite, comprar alguns itens depois de sair tarde do trabalho. O lugar estava bastante vazio, fora alguns empregados repondo mercadorias, duas operadoras de caixa e o pessoal da limpeza; clientes, praticamente nenhum.

- Devem ter prejuízo mantendo essa loja vazia a noite toda - comentei comigo mesmo ao entrar numa seção de biscoitos deserta, cesta de plástico na mão esquerda.

- Sempre aparece alguém - respondeu uma voz feminina atrás de mim.

Virei-me, assustado, e vi uma garota com uma bandeja de petiscos que pareciam canapés, usando um vestido amarelo coberto por um avental branco. Uma plaqueta presa do lado direito do uniforme a identificava como Ramona.

- Desculpe se o assustei - disse ela sorrindo.

- Não achei que tinha falado tão alto - admiti. - De onde você saiu?

Ela exibiu uma expressão vaga, antes de falar:

- Estava circulando pelos corredores, procurando um cliente que queira experimentar este delicioso patê de peito de peru...

- Patê de peito de peru? - Repeti como um idiota.

- Gostaria de provar uma amostra? - Ela ampliou o sorriso e estendeu a bandeja na minha direção.

- Uma amostra grátis... - murmurei, me sentindo estranho como se a presença dela estivesse distorcendo a realidade.

- Claro que é grátis - insistiu. - E é delicioso!

Senti um forte impulso para estender a mão e pegar um petisco, mas resisti.

- Aposto que é... mas sabe, eu não gosto de beliscar antes do jantar. Isso realmente me tira o apetite.

O sorriso murchou por um breve instante no rosto de Ramona.

- Que pena! Mas poderia ao menos me dizer o seu nome? Já que sabe o meu...

E apontou para a plaqueta no uniforme.

- Eu... o meu nome... - comecei a dizer, mas outra voz me interrompeu.

- Ei, Ramona!

Um repositor havia surgido de um dos corredores laterais, cenho franzido.

- A gerência já disse para você parar de assediar os clientes! - Disse o rapaz, dedo em riste.

O rosto de Ramona se contraiu.

- Ela não estava fazendo nada - defendi-a.

- O senhor não tem que dar o seu nome - prosseguiu o rapaz. - Aqui prezamos a privacidade dos clientes.

E olhando feio para a garota:

- Ouviu Ramona?

Ela baixou a cabeça, rosto vermelho, como se fosse chorar.

- Tudo bem, não aconteceu nada... - falei para o repositor. - Eu não fiquei chateado, verdade.

Ramona ergueu a cabeça, olhos marejados, estendeu a mão para mim e tentou sorrir.

- Sem ressentimentos, senhor...?

Antes que eu abrisse a boca, o repositor gritou a plenos pulmões:

- Ramona!!!

- [10-03-2022]