Desbravador das trevas

O'Connor despertou no leito de estase com um aviso luminoso piscando diante de seus olhos onde se lia: "NÃO SE LEVANTE ATÉ SER AUTORIZADO". Uma voz gravada repetia a mesma instrução, de modo que ele permaneceu imóvel, enquanto a tampa transparente do compartimento se abria e um conjunto de braços robóticos descia do teto da câmara de hibernação e começou a remover eletrodos e cateteres aplicados ao seu corpo nu. Finalmente, soou uma campainha e a voz neutra do computador de bordo saudou-o.

- Procedimento realizado com sucesso, major. Como se sente?

Ele passou a língua pelos lábios, sentindo o corpo entorpecido e um gosto amargo na boca.

- Bem... creio - murmurou.

- Então pode se sentar. Devagar - informou o computador. - Suas roupas de serviço estão ao lado do leito.

Ele seguiu as instruções, e começou a se vestir lentamente.

- Correu tudo bem? - Indagou, erguendo-se cautelosamente.

- Sim, o voo transcorreu conforme previsto pelo Controle da Missão - redarguiu o computador. - Naturalmente, não poderá falar com eles em tempo real, pois estamos à mais de 11 anos-luz do Sol, mas deixaram uma gravação para que visse ao despertar.

- Ótimo. Verei na cabine de pilotagem...

Depois de anos em hibernação, queria dar a primeira olhada no sistema solar que era a grande possibilidade de colonização para a humanidade fora da Terra. Ninguém havia viajado tão longe quanto ele, e isso o deixava ainda mais ansioso.

* * *

- Parabéns, major! Se está me vendo, é porque chegou ao seu destino.

Na tela diante de O'Connor, na cabine de pilotagem da nave interestelar "Atalanta", Bradley Rodgers, o chefe da missão, o saudava de seu escritório na Terra. As imagens deviam ter sido gravadas e transmitidas há muito, e presumivelmente Rodgers estava morto há décadas.

- Alguns anos depois da partida da "Atalanta", - prosseguiu Rodgers - recebemos a confirmação de que o terceiro planeta do sistema Tau Ceti possui vida inteligente.

O'Connor franziu a testa. Aquilo certamente alterava as perspectivas de colonização do planeta pelos terrestres.

- Naturalmente, precisamos que desça lá, avalie a capacidade tecnológica dos nativos e a possibilidade de convivermos pacificamente com eles - prosseguiu Rodgers. - Pelo que pudemos deduzir, à distância, se encontram num estágio de desenvolvimento similar ao nosso em fins do século XIX ou início do século XX. Já descobriram as radiocomunicações, mas é provável que não tenham ainda meios de transporte mais pesados do que o ar. Cabe a você descobrir, e nos enviar um relatório detalhado.

A transmissão foi encerrada e O'Connor ficou um tempo olhando absorto para o logo do Comando Espacial na tela; sabia que as intenções de Rodgers e seus chefes não eram exatamente das mais pacíficas, e que o que realmente desejavam saber, é se os nativos teriam condições de resistir caso fossem invadidos pelos terrestres.

- Computador? - O'Connor voltou-se para uma das câmeras que serviam de "olhos" ao computador de bordo.

- Sim, major.

- A que distância estamos do terceiro planeta?

- Atualmente, estamos em órbita geoestacionária do mesmo - informou o computador.

- Então, preciso que prepare o módulo de pouso; terei que ir até lá, fazer pesquisas de campo.

- Naturalmente - assentiu o computador.

* * *

Em seu traje espacial, a viseira negra do capacete abaixada, o major O'Connor desembarcou do módulo de pouso em meio à uma vasta planície gramada, no coração do maior continente do planeta. Não havia detectado sinais de vida inteligente por ali, embora houvesse vida animal e vegetal em abundância. O sol, nitidamente amarelo, brilhava sobre as folhas de grama que ondulavam ao vento. Tudo parecia tão familiar e rotineiro que ele quase poderia esquecer que não estava na Terra.

- É uma pena que não posso tirar esse traje e me espojar na grama, como um cavalo - comentou bem-humorado para o computador da "Atalanta".

- Infelizmente, levaremos um bom tempo avaliando as amostras de ar, água e solo deste planeta em busca de contaminantes e patógenos - redarguiu o computador. - Provavelmente, só os colonizadores poderão fazer a atividade que você sugere.

O'Connor sabia que não estaria entre esses felizardos. E também que o motivo por trás do comentário do computador era outro.

- Talvez eu possa aguardar até o sol se pôr e fazer um teste - comentou em tom casual.

- Isso não seria prudente - reafirmou o computador.

Nada ali poderia feri-lo, pensou O'Connor; exceto, provavelmente, a luz do sol. Os vírus e bactérias do planeta não o afetariam, e nem poderia ser envenenado por plantas ou animais.

Do ponto de vista da exploração espacial, era bom ter alguém como ele para fazer longas viagens de décadas de duração, praticamente sem suporte de vida ou alimentação.

Algumas bolsas de sangue congelado bastavam...

- [13-02-2022]