O Pesadelo
Sonhamos metáforas da nossa real situação e todos os problemas que nos definem como seres sociais nos são mostrados por caminhos por vezes densos. Era uma cidade muito muito antiga. A ruas toscamente empredradas, as paredes calcárias, as torres e os campanários , as fontes de pedra, os largos onde se cruzavam estilos arquitectónicos distintos remetiam-nos para séculos anteriores. Comprei um andar no único edifício branco da rua. Salas vastas, quartos de janelão para a rua.
A construção era um anacronismo cromático, moderno, confortável. Não recordo os pormenores mas, no tempo que descrevo, os compartimentos estavam espoliados dos seu móveis e um velho conhecido, sentado no assoalho, brincava, tranquilamente, com uma criança.
Quando Cícero começou a sentir-se mal, sem carro, precisei de levá-lo ao hospital com urgência. Na rua, depois de cruzarmos uma igreja em ruínas, perguntei: - trazes dinheiro? E, a partir daí o sonho mudou completamente. Cícero deu meia volta e desapareceu e eu estava perdido na cidade. Sabia o nome da rua mas não o número do edifício que, em todo o caso saberia reconhecer. Não trouxera dinheiro e cirandava sem rumo por becos, ruelas, praças acanhadas, restos de muralhas, portas secretas ou escondidas que davam para passagens estupidamente acanhadas.
Perguntei a um velho onde ficava a rua e apontou-me a direcção pedindo que contornasse o cemitério. Percorri a rua de uma ponta a outra e não havia qualquer edifício moderno. Quando acordei queria voltar a uma casa que era minha, que estava ocupada por gente que não poderia expulsar e que, afinal, não existia. Nada era real: nem casa, nem rua nem cidade.