INDECISÃO
(Mais um sonho que vira conto... estória pela metade com a atriz Lília Cabral e outra que não reconheci, talvez Maria Clara Gueiros, essa a protagonista. Vamos a êle:)
INDECISÃO
Na periferia da capital, o salão das amigas cabeleireiras estava quase vazio, a tarde encerrando, passando já das 16 horas. Uma delas fazia as unhas de uma cliente e olhava de soslaio a cara triste da "comadre", vizinhas que eram.
-- "Monique, não suporto te ver com essa cara... livre-se dele" !
-- "Não tenho outra cara... quer que eu faça plástica" ?! e, após uma pausa, continuou:
-- "Êle não dormiu em casa de novo, o miserável... 15 anos da minha vida jogados fora, Chrystine" !
Os nomes franceses foram adaptados de seus nomes reais e davam título ao salão... a intimidade veio com o tempo e, agora, nem duas irmãs seriam tão unidas. Mônica, sem filhos, era praticamente tia dos 2 pequerruchos de Chrystina e os mimava como se realmente fosse. Seu casamento naufragara irremediavelmente, Rico Richard não escondia que tinha amante, a suprema ofensa para qualquer esposa, a "pá de cal" na vida conjugal. Adentra o salão senhor distinto, cinquentão, moreno de praia, cabelos grisalhos bem aparados; não parecia precisar dos serviços de nenhuma manicure.
-- "Já estamos fechando, senhor, podemos atendê-lo amanhã" !
-- "Oh, que azar... posso levá-las para casa, se quiserem" !
Embatucaram... livrar-se do ônibus lotado era um presente, mas Chrystine adiantou-se:
-- "Senhor, moramos um pouco distante, no subúrbio" !
-- "Queridas, conheço toda essa área, nasci aqui quando nada disso existia, era só mato e poeira ! Estou a procura de um terreno nesta região" !
Aceitaram a "carona", num carro modesto para as supostas posses do "figurão", que o alugara com esse fim. Contou metade de sua infância no trajeto e, de quebra, ficou sabendo onde moravam as duas beldades suburbanas. Não escondeu sua preferência por Mônica, e Cristina suspirou agradecida. Amava os filhos e o marido e não os trocaria por uma aventura qualquer. Naquela noite Rico Richard voltou ao lar sem explicações a dar, "galo no terreiro", porém notou que a cara da esposa já não era tão triste nem o ar sofrido de sempre tão... resignado. Algo luzia dentro daquela "sonsa", o que estaria "aprontando" ?!
Coçou a cabeça -- gesto inevitável -- com a sensação de que, de traidor profissional, passara para a classe dos traídos.
-- "O que houve, "Nica", você me parece meio... diferente" ?!
-- "E você, Riquinho, não muda há anos. Aliás, muda para pior... eu quero o divórcio, não aceito mais tanta humilhação" !
Dois vulcões explodiram dentro do Rico, o rosto avermelhou, os olhos tingiram-se de sangue... estalou sonoro tapa no rosto de Mônica.
-- "CACHOOORRO, você nunca mais me fará outra dessas... te boto na cadeia com um monte de acusações" !
-- "Que bicho te mordeu ? Sempre aceitou minhas "escapadas" ?!
-- "Aceitei, não aceito mais ! A cada dia que te vejo você está menor, não passa de um "verme". Sinto nojo quando me toca e só não te dou o que merece -- faz com a mão fechada o clássico gesto dos rockeiros -- porque não quero, oportunidade não me falta ! Fora daqui... saia da minha casa" !
Rico ameaçou avançar contra ela; estacou, batiam desesperadamente na porta:
-- "Monique, Monique, abra por favor... o que está acontecendo" ?!
Rico abriu a porta de supetão, Chrystina o empurrou:
-- "Saia da frente, traste, antes que eu chame a Polícia" !
Os demais vizinhos já aglomeravam no jardim, Rico achou melhor "puxar o carro", "sumir no trecho". Monique dormiu naquela noite na casa da amiga, receava ver o patife voltar "na calada da noite". Passaram os dias posteriores se consolando, com o velhote do carro velho de buzina engraçada a visitá-las, às tardes, dia sim - dia não, sem lhe usar os serviços de manicure. Convidou Monique -- que hesitou -- para um jantar no restaurante que escolhesse.
-- "Ela aceita, ela vai sim, precisa se distrair" !
-- "Mas eu nem tenho roupa decente pra isso" ?!
-- "Vá pelada... não quero ver minha amiga enterrada viva" !
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Mônica não voltou pra casa naquela noite, nem foi trabalhar no salão na manhã seguinte. Chrystina atuou sozinha, angustiada com a situação:
-- "Meu Deus, aquela doida embebedou-se e findou na cama do velho... o que terá acontecido" ?!
Tardezinha, soou a buzina curiosa do "lata velha"... desceu Mônica feito um "zombie", olhos arregalados, rosto lívido, "zíper" na boca. Voltam os 3 pra casa no carro num silêncio opressor, a sensação para Chrystina era de que Mônica sofrera estupro coletivo. Chegando em casa, fechada a porta, Chrystina explodiu:
-- "Fala de uma vez, sua víbora... o que houve ?! Antes que eu te esgane" !
-- "Êle me levou pra Paris, me comprou roupas e jantamos" !
-- "E daí ? É alguma boate nova, lá do Centro, por acaso" ?!
-- "Não, amorzinho, a Paris lá da França... do outro lado do oceano ! Deixei êle escolher o restaurante e deu nisso" !
-- "Qual é, Mônica... vais mentir pra sua melhor amiga" ?!
-- "O velho é "podre de rico", Chrys, tem até jatinho particular. Quer casar comigo... passou a vida atrás de dinheiro e com um monte de mulheres atrás dele, por causa da sua grana. Não viu nem sombra do Amor e, agora, no fim dela, quer viver algo assim... o que eu faço ? Aceito" ?!
-- "Não, sua tonta... "dá um pé na bunda" dele e volta pro Richard, que TE AMA eternamente" !
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Mônica "acertou os ponteiros" com o ancião, não ía mudar a vida pacata dela em função da dinheirama dele. Portanto, ou êle vinha morar na casa dela --- como um marido comum -- ou nada feito. Concordou, estava "caidinho" pela manicure ! As "candinhas" do bairro não deixaram por menos:
-- "Olha lá, o casal de "pombinhos"... a doida trocou aquele "garotão cheio de saúde" por esse velho caquético, que não tem grana nem para comprar um carro decente. É "o fim do Mundo" !
Quanto a você, leitor abelhudo, cuide da sua vida que êles lá cuidam da deles... e, eu, da minha !
"NATO" AZEVEDO (em 5/jan. 2022, 6hs)