Um Homem Sem Bengala
Dormiu pouco. Há meses que ficava horas de olhos abertos a perscrutar o escuro, a escutar zumbidos, estalos da madeira ressequida, a velocidade dos veículos na rua deserta. Acordava cansado, macilento, com olheiras profundas a denunciar a insónia. Outras vezes era de olhos fechados que a inquietação vinha. Trazia todos os problemas da família, do negócio e a dor indefinida que abarcava os temas deixava-o abalado, num lugar frio e ermo, incapaz de sair, de reagir, de se erguer daquele poço profundo.
Não tinha grupo, partido, religião ou fé. Adoecia de pensar, de não acreditar, de se frustrar quando, não sabia por quê, esperava. Ficava à beira do caminho pronto para embarcar no que viesse.
Um dia veio, grande como um condor, a ave. Poderia ser mas não era um avião. Ainda assim o levou, subiu tudo o que pôde, que linda era a terra do espaço, que furiosa a queda, que duro o solo onde acabaria esborrachado se persistisse.
Dormir é esquecer, pairar no céu, tumultuar-se no olho de um qualquer pesadelo. Depois a manhã, as vozes apressadas, o café na mesa, a náusea. No outro quarto alguém chorava, da rua ouviam-se os gritos, as vozes e os risos. Todas as portas se abriam, todos os convites chegavam, mas porque tinha medo de ir, lhe faltava força nas pernas, estava sem dormir, de pijama e sem bengala.