O golem
Fui ter com o rabino Rahav, do qual se dizia ter construído uma criatura semelhante ao homem, mas composta de metal e incapaz de falar.
- Sim, de fato, durante muitos anos tive um servo que me auxiliava nas tarefas domésticas e que denominei Lihod. Mas tive que me desfazer dele, depois que sua existência começou a atrair a atenção de gente gananciosa.
- Imagino que ter um servo de metal, o qual não precisa comer ou dormir, deva interessar a muita gente...
- Assim é, mas na verdade comecei a me preocupar com o destino de Lihod quando me propuseram construir um exército de criaturas como ele, o qual, dotado de armamento adequado, poderia derrotar facilmente qualquer exército de seres de carne e osso como nós.
- Então, destruiu sua criação para que não caísse em mãos erradas - conjecturei.
- Eu o faria, se tivesse construído Lihod de metal comum; acontece, que ele é feito de oricalco, o mesmo metal citado por Platão na história de Atlântida. Como tal, ele é indestrutível.
- E onde conseguiu oricalco? - Indaguei perplexo. - Pensei que a muito suas jazidas estivessem esgotadas...
- E estão - assegurou o rabino. - Ocorre que graças ao meu sino de mergulho, um invento que me permite caminhar pelo fundo das águas respirando como se estivesse em terra firme, logrei chegar aos restos submersos de um antigo naufrágio grego nas costas da Sicília. No porão da embarcação, encontrei vários lingotes de oricalco, os quais recuperei e utilizei para construir meu golem.
- Ou seja: mesmo se houvesse aceito a proposta que lhe fizeram, de criar um exército de homens mecânicos, estes não seriam indestrutíveis.
- Precisamente.
- Mas o que fez então com Lihod, já que ele não pode ser destruído?
- Lhe ordenei que caminhasse para dentro do mar, procurasse um lugar profundo, longe das rotas de navegação, e lá ficasse, aguardando o dia em que a humanidade atinja um estágio avançado o suficiente para utilizá-lo de forma sábia.
- Decerto que não veremos este dia - ponderei.
- Nem os filhos dos nossos filhos - assentiu o rabino com tristeza.
E até hoje, consta que Lihod está sentado no fundo do oceano, aguardando uma ordem que o faça sair das águas e retornar ao convívio dos seres humanos.
- [08-12-2021]