Janela quebrada
Janela quebrada, irresistente ao vento, senhor dos rangentes lamentos, atordoava o silêncio do passado tão remoto quanto meu controle. A paisagem, personagem demais efêmero quanto um simbolismo mau interpretado, sorria sem jeito diante de um cego, única testemunha ocular a lhe fazer companhia em uma deslumbrante tarde âmbar.
Meus desassossegos a pontos desafortunados afogam-se no limiar das reflexões. Vindo de um oceânico tormento de verdades, morre na praia da compreensão, devolvido em seguida ao mesmo oceano pela corrente assimilada. Subsequente a tão alado concerto como se Chopin tocasse nos amplos salões da solidão, devolvi-me intacto ao cidadão, ao meu RG fugaz; documento improvável de minha desaparição. Faço uma refeição como se não tivesse fome; engano meu inocente estômago; deito-me à espera do que à minha espera está. Meu vagar apressa-me. Há uma cidadela a ser reconstruída por sobre essa tão doida e doída terra; uma quimera feita por sortilégios e doutorados que assim parece ao que não transparece a esse olhar de errada direção. Já não sei que horas são. Ouço meu cuco anunciar reincidente final das horas.
Saio para uma rua molhada pela chuva, não a que cai do céu, mas pela que imagino que deveria cair, labirintada por entre difusas emoções. Perto de um beco encontro minha saída. Encontro um portão estriado, cor de ferrugem escura. Abro-o; o ranger de suas molas evoca paz e ciência. Subo uma escada limosa, acadiana. Um cão uiva suplicando sentido. Não sei se está me saudando ou em colóquio lunar. No fim da escada abro uma porta destrancada pela razão. Entro pela cozinha do velho e carcomido prédio. Na penumbra tranqüila como um fim de vida ouço um ranger que não é de dentes. Algo bate e rebate recorrentemente. É o som irresistível de uma janela quebrada, irresistente ao vento...