Minha outra primeira vez
Eu já tinha tido a minha primeira vez. E até me dei bem então: uniformizado e de pasta ainda cheirando a couro em punho, fui sozinho para o meu primeiro dia de aula no prediozinho singelo, mas bem limpinho e bem pertinho das Escolas Reunidas José Lima Guimarães, mantido pela fábrica de tecidos do pequeno povoado do Brumado.
Contudo, mudado de família, pasta e cuia para a cidade de Pitangui a sede do município ainda no final daquele primeiro semestre, só voltei a frequentar escola a partir de agosto, depois de agoniadas e angustiadas férias de meio de ano. E uma nova primeira vez se impunha como desafio para os meus ainda bem frescos oito anos. Mas dessa vez papai veio em meu socorro, para me ensinar a rota certa, trilhada por suas portentosas botinas gomeiras.
Almoçados, nos metemos a caminho pelas quebradas da Velha Serrana, rumo ao imponente sobradão colonial de Maria Tangará, que sediava então o Grupo Escolar Professor José Valadares, popularmente conhecido como o grupo véio...em oposição ao já bem mais moderno e estiloso educandário, o Francisca Botelho, ou grupo novo.
A caminhada, de seus quase vinte minutos em marcha um tanto apurada para os meus cambitos infantis, sob um sol a pino, rendeu-me algum suor, sem no entanto, arrefecer-me os ânimos
da vontade de adentrar um novo mundo do saber...
O horário de entrada havia passado de pouco. Mas na pontualidade que imperava naquele tempo - o ano era 1958, da doce memória ainda fresca, de termos ganho uma Copa do Mundo... - demos-nos de cara tão somente com um espigado e espichado senhor ao topo de uma escadinha semicircular que levava à entrada.
Era o Gomides, o solene e quase imperial porteiro, em seu terno de brim cáqui, que nos acolhia, respondendo à saudação de papai e ao meu olhar de curiosidade. À observação de papai sobre o calorão que fazia, Gomides resumiu tudo numa frase lapidar, naturalmente uma nota acima:
- Está tórrido...!
E recebi ali, ainda fora da escola, o meu batismo pedagógico com uma proparoxítona que eu desconhecia...
As que eu sabia eram poucas e comuns demais para figurarem no discurso de grand seigneur:
sábado, prática, lágrima...