Permafrost
Encontrei casualmente Daniel na rua e ele me pareceu preocupado - mais do que o normal, diga-se de passagem.
- E então, o que houve? Problemas com o orçamento do Instituto? - Indaguei.
- Antes fosse só isso - redarguiu ele. - É o maldito aquecimento global.
- Todos andam muito preocupados com as consequências da elevação das temperaturas - aquiesci gravemente. - Furacões, secas, aumento do nível dos oceanos...
- O permafrost - acrescentou Daniel. - O permafrost.
- Sim, também o permafrost; vai liberar uma quantidade absurda de gás carbônico, o que só vai piorar o cenário...
- Não é só gás carbônico que o permafrost vai liberar - atalhou ele, agitado. - Lembra do cemitério em Akhali Ist'auni?
Só então entendi porque ele estava preocupado. O cemitério da cidadezinha, encravada nos Urais, fora cavado no permafrost; os corpos ali sepultados mantinham-se num excelente estado de conservação, como se houvessem sido enterrados na véspera.
- Os cadáveres vão começar a descongelar e apodrecer - intuí.
- É bem pior do que isso - replicou Daniel. - O que os mantém presos ali, é justamente o congelamento. Se descongelarem, estarão vivos para vagar pelo mundo, novamente...
- Não pode estar falando sério - redargui.
- Houve uma experiência secreta na década de 1970... prisioneiros dos gulags... acredita-se que estes mortos não estão realmente mortos - prosseguiu Daniel, cada vez mais agitado.
- Talvez precisemos fazer alguma coisa - ponderei.
Daniel fez um gesto afirmativo.
- O permafrost às vezes explode, pelo acúmulo de gás. Precisamos fazer com que pareça um fenômeno natural, para que ninguém investigue muito a fundo e resolva ir atrás dos planos do projeto original.
Sim, aquilo seria realmente perigoso, pensei.
Melhor explodir um cemitério do que ter zumbis vagando pelos Urais...
- [23-10-2021]