Sem voz

Gunadhya recebeu o doutor Upasani na varanda do bangalô onde residia, a poucas dezenas de metros da praia.

- Obrigado por ter vindo tão rapidamente, doutor! - Agradeceu Gunadhya.

- Normalmente, eu não atendo a domicílio, - respondeu o médico - mas como você disse que era um caso que eu nunca havia visto...

- Provavelmente, não - ponderou o rapaz. - Mas, vamos entrar, ela o aguarda.

- Ela tem um nome? - Indagou Upasani, enquanto seguia Gunadhya para dentro da casa.

O rapaz abriu as mãos em tom de desculpas.

- Ela está muda, esse é justamente o problema.

Parou em frente à porta do banheiro e deu duas batidas.

- O doutor está aqui!

Dentro, ouviu-se um som de água chapinhando, que Gunadhya interpretou como um sinal para que entrassem.

- Ei-la, doutor - disse o rapaz, afastando-se para que o médico entrasse.

Havia uma banheira posicionada bem em frente a porta, e dentro dela estava... uma sereia, de longa cauda verde. Ela encarou o médico com uma ponta de apreensão, provavelmente não menor do que a estranheza dele.

- Tudo bem, é um amigo - tranquilizou-a Gunadhya. - Ele vai olhar sua garganta. Tudo bem?

- A sereia está muda - murmurou Upasani consigo mesmo, enquanto abria sua maleta preta e dela retirava um abaixador de língua de madeira e uma pequena lanterna. E para a paciente:

- Por favor, abra bem a boca; preciso fazer um exame.

A sereia olhou para Gunadhya, como quem pede ajuda.

- Pode confiar - assegurou o rapaz, erguendo as mãos.

A sereia suspirou e abriu a boca, guarnecida de dentes miúdos como pérolas. O médico inclinou-se sobre ela, lanterna acesa.

- Ah, sim... aqui está - murmurou por fim.

- Tem tratamento, doutor? - Indagou Gunadhya.

- Parece ser uma inflamação nas cordas vocais... - avaliou o médico. - O que vou recomendar é que ela mantenha a garganta hidratada e poupe a voz; nada de canto pelos próximos dias. E vou receitar um gargarejo de limão com pimenta, vai ajudar na recuperação.

Anotou as recomendações numa receita e a entregou para Gunadhya, ao saírem do banheiro.

- Quanto lhe devo, doutor?

- Só pela experiência de poder atender uma sereia... nada, meu rapaz - afirmou o médico. - Só vou lhe pedir um favor...

- O que estiver ao meu alcance.

- Quando ela recuperar a voz, melhor pedir para que vá praticar bem longe da costa. Não queremos acidentes por aqui, certo?

Gunadhya prometeu solenemente que iria acatar a sugestão.

- [07-07-2021]