CONFLITOS FAMILIARES

O café da manhã estava "quente"... doutor Sizenando Pena Forte Auriverde acordara contrariado, seu casal de netinhos quase o ignorava, não passeavam com êle nem lhe ouviam as reprimendas, absortos o dia inteiro, voltados para seus celulares de última geração e os minigames portáteis "da hora".

-- "Mamãe, o vovô não quis me dar sorvete ontem" !, queixou-se Julinho, levantando a bandeira de guerra familiar, assim que o velho "Nando" entrou na cozinha.

-- "Santo Deus, que maldade, papai" !, recriminou a genitora dos irmãos de 6 e 8 anos, classe média.

-- "Não dei mesmo... não quis me ouvir, atravessou a avenida com o sinal aberto, antes de mim" !

-- "Mas, precisava ser tão cruel com o menino" ?!

-- "Queridinha, sou de um tempo em que criança não desobedecia adulto nenhum, quanto mais UM AVÔ... onde é que nós estamos" ?!

-- "Vovô, VOCÊ vai vai na minha aula de balé hoje ? É dia de teste e a "fessora" disse que é importante" !, tenta apaziguar as coisas "Riquinha", amada primogênita da Dona "Rica", aliás Ricarda Pena Forte Guimarães, cujo marido (e pai dos "pestinhas") ainda roncava no leito conjugal, era um belo sábado.

-- "Não sei, não... você anda muito malcriada ! E não me chame de VOCÊ, já disse que não gosto" !

-- "Vovô, o SE-NHOR não pode corrigir como a gente se expressa... "isso é castrador e pode nos trazer traumas", me disse a professora de Português" !

"Seu Nando", irritado, vira pra filha, apontando a neta:

-- "Ora, ora, onde é que nós estamos ?! Tenho que ouvir ISSO "disso daí", desse "pedacinho de gente" ?!

-- "Acalme-se, papai, são os novos tempos, cada um fala o que pensa realmente, sem censuras" !

-- "Eu 'tô na casa do MEU PAI... e o senhor ?! Mamãe me mostrou o testamento do senhor, a casa é dela e minha também ! Logo, vovô querido, VOCÊ está na MINHA CASA" !

"Seu Nando" ficou "auriverde", meio gago com a audácia da menina, extremamente desenvolta para a idade. Mas. não se deu por vencido... dirigira empresa com dezenas de funcionários, vencera na Vida, não seria derrotado por "aquilo" !

-- "Não seja petulante, senhora dona "Riquinha"... testamentos podem ser revistos, até A-NU-LA-DOS" !

Dona "Rica" apavorou-se, a conversa não ía nada bem:

-- "Papai, pelo amor de Deus, isso é coisa que se fale" ?!

-- "Doutor NANDO, o original pode servir para CON-TES-TAR qualquer novo testamento... ouvi isso numa conversa das professoras sobre o caso do "Gagá", aquele apresentador do "pintinho laranjinha", que morreu ano passado" !

Doutor Sizenando, mão espalmada apontando a menina, a xícara balançando na outra, olhos arregalados:

-- "Meu Deeeus, essa garota é um monstro... devia ter a boca lavada com sabão, com pimenta brava" !

-- "Papai, isso é coisa que se diga ?! Nunca faziam nada disso, ficavam só na ameaça" !

-- "Exatamente ! E por temer o castigo, nós obedecíamos" !

-- "Vovô, não sei porque tanta irritação... estamos apenas conversando"!, contemporizou a pequena.

"Seu Nando", ainda mais surpreso, percebeu que estava diante de um gêniozinho dos negócios, que sabia recuar.

-- "Podem discutir lá na sala, estão atrapalhando meu jogo ?! Já perdi 40 pontos no "Counter Strike" !

-- "Cala a boca, imbecil" !, gritaram avô e neta.

-- "Não dá pra encerrar essa bobagem" ?!, insistiu Julinho.

-- "Cala a boca, idiota" !, reprisaram em coro.

-- "Huumm, então a senhorita quer que eu vá ao balé ?! E o que eu ganho com isso ? Pra ver aquela CHA-TI-CE" ?!

-- "Não estamos negociando nada... é uma gentileza de avô pra neta ! O senhor vai" ?

-- "Ora, ora... você não me parecia nada gentil, agora há pouco" !

-- "Acho que exagerei... o senhor me perdoa, vovô" ?!

-- "Desculpas aceitas, mas vou levar um livro, para suportar aquela tortura" !

-- "O quê ? Nem pensar ! O que vão dizer minhas amigas ? Que meu "bisa" é um troglodita ? Está dispensado do compromisso" !

-- "Okay, vou sem livro... mas, vais ficar "me devendo essa", negócios são negócios" !

Dona "Rica" estava feliz, ouvira preocupada a pendenga inteira e essa "bandeira branca" do pai contava muitos pontos para sua filha. A menina tinha futuro, pensou.

-- "Gente, vamos tomar café em paz, por favor" !

-- "Caraca", perdi de novo... culpa de vocês" !, grita o guri.

-- "Cala a boca, palhaço" !, repetiram juntos neta e avô.

***** ***** *****

Já a caminho da Escola de Dança, ali perto, o avô orgulhoso da neta resolveu "sondar o terreno":

-- "Você gosta mesmo de balé ? Já pensou em fazer Administração, preciso de alguém pra cuidar da empresa" ?!

-- "O balé mantém minhas formas, sou mulher moderna" !

O avô explodiu em gostosa gargalhada:

-- "MULHER ? Pra Mulher te falta quase tudo... a começar por peito e bunda" !

-- "Menos, doutor Nando, menos... não quero ser como a mamãe, que só cuida da casa e da cozinha. Mas não sei ainda o que vou ser... talvez, arquiteta, decoradora" !

-- "Huumm... vai "arrumar casa" do mesmo jeito ! Te proponho um negócio: banco TUDO se cursar Administração... teu pai é um "banana", não sei se a empresa dura muito tempo, com êle na direção" !

-- "Homem NÃO PRESTA mesmo... o presidente "detonando" seu auxiliar direto ! Então, porque o escolheu" ?

O avô, estupefato, viu até onde ía a visão da neta.

-- "Ora, b-b-bem, queria a condução da firma na mão da família" !

-- "Volte pra lá, vovô... supervisione o trabalho do papai" !

Merda, a garota tinha razão, saíra da empresa cedo demais, era hora de retornar, para evitar a catástrofe.

-- "Que tal, você aceita um sorvete antes da aula" ?

-- "Por acaso está "me comprando", doutor Sizenando" ?!

-- "Somos amigos, senhora dona Ricarda Neta, e amigos se presenteiam, isso nada tem a ver com negócios" !

Realmente o balé não era tão chato, as meninas bem graciosas e "Riquinha" a melhor de todas, competente até na Dança ! "Ganhara o dia", eis um sábado para recordar por muito tempo ! Na volta, felizes, encontraram Julinho Júnior e Júlio-pai na cozinha, jogando videogame, claro. "Dois idiotas", concluíram juntos !

"NATO" AZEVEDO (em 2/maio 2021, 6hs)