CÓPULA EM TEMPO DE OPRESSÃO
Não era para ferir a alma da mulher que tanto amou, conforme jurou perante um sacerdote.
Nenhuma verborragia proferida fora para vingar a ausência do beijo no momento da cópula.
Em qualquer ocasião se faz amor: na guerra, na eclosão do vulcão, do terremoto, do furacão. Também existe a prática do amor na pandemia.
As investidas sem sucesso podem ter levado ao infortúnio. As tentativas de conquista do amor desejado podem ter provocado uma hecatombe na alma.
Os olhos penetrantes, a face aveludada, o corpo esbelto, o colo bem moldado, os seios saltitantes poderiam proporcionar prazer, mas o amante pode ter detectado tudo aquilo com indiferença ou considerável atraso. Todos aqueles atributos capazes de satisfazer, podem ter alimentado o ciúme e o ódio.
Mesmo varando noites copulando, gemendo, se esfacelando de gozo com qualquer outra fêmea, jamais desprezou o afeto da parceira oficial.
A esposa preferiu abandonar o lar, o marido e o filho em nome de raros desejos. Encantada com assédios inusitados, cedeu a inusitados encantos.
Não atentou que o amor requeria grande sacrifício.
Sem entender que necessitava determinado esforço e que isso resultaria em certa submissão ou em afeto, apenas aceitou o jogo.
O amor seria dorido, seria movido a apego e a sexo - as duas coisas se confundiram.
Os acasalamentos deveriam ser frequentes e brutais para produzir satisfação.
Acariciar as genitálias sem articular uma palavra, pedindo para beijá-las, denotavam acasalamento ou mais que masturbação?
Entre tímida e duvidosa ela ficava hesitante.
Ela não era tocada satisfatoriamente a ponto de não permitir que as glândulas erógenas produzissem secreções.
A libido a tocava no momento em que fantasiava transar com outro homem. Era aí que se aproximava do adultério e se transformava na mais vil leviana.
Em época de pandemia as relações se resumiam a uma penetração rápida e ríspida.
Ela não queria sentir dor em nome do prazer, queria apenas prazer, mesmo que a submissão fizesse parte do jogo. Queria ouvir sussurros ao ouvido, beijo no pescoço, mordidinhas, afagos e elogios eventuais ou inverídicos.
Até as imprecações do coito, os palavrões seriam mais comedidos e menos eficazes que uma transa silenciosa, presunçosa.
Os dois permaneciam imóveis e mudos na alcova. As atitudes perante um momento tão opressivo nem sempre despertava a libido.
E foi ali que os desencontros foram se desenhando impiedosamente.