Agora você tem a mim
Ao ouvir baterem na porta, Vernon Liddiard ergueu os olhos do relatório que estava lendo e gritou:
- Entre!
Vestida com um sobretudo cáqui sobre um vestido marrom, a agente Rosetta Lowe surgiu à sua frente, um sorriso vitorioso no rosto e um copo de café com a logomarca da Hexenringe na mão esquerda.
- Agente Lowe! Não esperava vê-la tão cedo...
E levando a mão ao queixo, olhar especulativo:
- Talvez nem mesmo neste século.
Lowe entrou e fechou a porta atrás de si.
- Eu não pretendia atravessar aquele portal, Liddiard - declarou, sentando-se numa cadeira de braços à frente da mesa do superior hierárquico.
- Esse nunca foi o objetivo - assentiu Liddiard. - Mas imagino, pelo seu ar de satisfação, que tenha conseguido concretizar a segunda parte do plano.
Lowe fez um aceno afirmativo e destapou o copo de café; tomou um gole, antes de lamentar:
- Deveria ter trazido um para você... os sídhe realmente sabem como fazer essa coisa.
Liddiard deu-lhe um sorriso pálido.
- Se eu ainda estivesse vivo, creio que preferiria um chá.
E entrelaçando os dedos das mãos:
- A propósito, como conseguiu sair com vida daquela fortaleza magicamente protegida da Hexenringe?
Lowe deu de ombros.
- Feitiço básico de invisibilidade... que, como sabe, não é realmente invisibilidade. Apenas faz com que as pessoas desviem o olhar para um local onde você não está. Me escondi no baú de um dos utilitários de entrega, e esperei que saísse pela manhã. Simples assim.
- Muito bem. Mas então, finalmente temos uma conexão com o portal secreto dos sídhe? - Inquiriu Liddiard.
- Sim; o vínculo foi estabelecido e os magos do laboratório forense já têm com o que trabalhar - afirmou Lowe. - Embora, para não despertar suspeitas, não possamos ainda interferir diretamente no fluxo da Hexenringe; apenas assistir.
- Ou seja: vão continuar despachando refugiados para o Outro Lado - avaliou Liddiard, juntando as mãos.
- Infelizmente, sim - admitiu Lowe, tomando outro gole de café. - Mas, por completo acaso, consegui fazer um contato dentro da organização; um guarda de segurança, que calhou ser um adotado por licantropos. Mais especificamente, pelo clã Anderson.
- Nome? - Liddiard ergueu os sobrolhos.
- No uniforme, estava identificado como Miguel, mas esse é um nome de guerra, como os que usam todos os que não são escravos dos sídhe. Mas eu já o identifiquei aqui fora, é um sujeito chamado Alan Michael Anderson. Acho que posso fazê-lo trabalhar para nós.
- Fico me perguntando como pode determinar a qual clã uma pessoa pertence... - Liddiard a encarou, curioso.
Lowe sorriu.
- Pelo cheiro, naturalmente.
Liddiard sorriu de volta.
- Naturalmente.
* * *
Alan Michael Anderson entrou na cafeteria Hexenringe, a mesma onde assinara seu contrato de trabalho há algumas semanas. Mas agora, como lembrou para si mesmo, ele era parte daquilo tudo; a Hexenringe também era a sua família, ou ao menos, era assim que gostariam que ele pensasse neles. Mas ao ver a mulher que aguardava por ele sentada numa mesa no meio do salão, lembrou-se que talvez tivesse que trair a nova família em nome da velha.
- Olá, Morwenna! - Saudou-a, inclinando-se sobre a mesa.
- Grata por vir, Miguel - replicou, sorrindo e indicando-lhe a cadeira vazia à frente dela. Anderson sentou-se.
- Queria que tivesse certeza de que pode confiar na minha proteção, por isso marquei nosso encontro bem aqui - disse ela em voz baixa.
- Você é mesmo muito audaciosa - reconheceu Anderson. - Embora, quem a viu loura entre os refugiados, não a reconheceria agora. Essa é a cor natural do seu cabelo?
Morwenna sorriu e passou a mão pelos cabelos castanho acobreados.
- Gosto do tom; acho que vou mantê-lo por mais um tempo - declarou.
E inclinando o corpo sobre a mesa, sussurrou com um sorriso malicioso:
- Alan Michael Anderson.
- Pelo amor de Wulver - sussurrou ele, olhando atarantado para os lados. - Esse é o meu nome... se a atendente ouvir, estou enrascado!
- Eu não vou falar em voz alta, pode ficar tranquilo - prometeu ela, voltando à posição anterior. - Mas isso também significa que agora você não tem outra alternativa que não trabalhar para mim.
Ele franziu a testa.
- Você não é uma sídhe. Não pode me obrigar a nada apenas por saber meu nome real.
Ela deu de ombros.
- Talvez não possa obrigá-lo a fazer nada da forma como os sídhe fazem; mas, você pertence a um clã, tanto quanto eu. E os sídhe estão prejudicando o nosso povo, e você lhes deve toda a ajuda que puder prestar... pelo amor de Wulver.
Anderson suspirou, rosto entre as mãos, cotovelos apoiados na mesa.
- Eu sou só um guarda de segurança. Não posso fazer muito... e assinei um contrato de não-divulgação...
Morwenna ergueu as mãos.
- Sei disso tudo; fique calmo. Eu vou lhe orientar no que deverá fazer pra mim... nada que vá estragar o seu papel dentro da organização. Mas precisamos trabalhar em conjunto, para salvar nosso povo.
E tocando nas mãos dele, para que olhasse para ela:
- E como eu sei tudo o que você sabe, não estará quebrando seu contrato se falar sobre seu trabalho comigo. De agora em diante, você tem uma confidente.
Anderson descobriu o rosto e a encarou. Pela primeira vez, o que ela dizia fazia todo o sentido.
- Obrigado - ele disse.
- Você é bem-vindo - ela sorriu para ele.
- [Fim da Primeira Parte]
- [21-04-2021]